segunda-feira, 31 de março de 2008

E A TERRA, INDIFERENTE, CONTINUA RODANDO


(Está ainda por representar, a aguardar a oportunidade de um produtor teatral se interessar por colocar em cena o que talvez possa constituir um grito de alerta para o perigo que ainda não está afastado de suceder um dia)




Esta peça de teatro foi escrita em 1961,
numa altura em que o mundo vivia o problema de um conflito potencial
que poderia ocorrer entre as duas mais fortes potências,
os Estados Unidos da América e a União Soviética,
num confronto que, enquanto se manteve latente,
foi denominado de Guerra Fria.
Dado que os dois países dispunham dessa arma terrivelmente mortífera,
a bomba atómica, que, em qualquer altura, poderia ser
deflagrada contra o adversário, envolvendo o planeta
numa definitiva guerra nuclear,
em virtude das retaliações sucessivas que se poderiam verificar
por parte dos dois beligerantes, os chefes políticos mais conscientes
da realidade temiam pelo pior e os cidadãos mais bem informados, ainda
que não se tratasse da maioria da população mundial,
atravessaram um longo período de intranquilidade.
Passados alguns anos sobre o fim da referida Guerra Fria,
que só se concretizou
com a queda do Muro de Berlim
e com a transformação política da então União Soviética,
não se pode dizer que o perigo de eventuais ataques atómicos
tenha terminado, visto que, por via de vendas incontroladas
de segredos, antes bem guardados, da ciência atómica,
sobretudo por técnicos e cientistas descontentes
com as situações indefinidas em que passaram a viver, sobretudo
na Rússia, e também das propostas tentadoras que lhes eram oferecidas por países
governados por políticos irresponsáveis,
o domínio da guerra nuclear deixou de pertencer apenas a duas
nações que, apesar de tudo, sempre poderiam responder,
com mais alguma segurança, ao apelo de bom senso que o mundo lhes fazia.
Não devem, por isso, os homens andar descansados.
Muito embora tenha passado o período do perigo que era mais do conhecimento
da população mundial, não se pode dizer que passou a reinar a tranquilidade absoluta.
Quem sabe se um pequeno país, que tenha adquirido
todos os componentes do poder bélico nuclear,
ou que tenha dado abrigo a um desses cientistas
que venderam a sua ciência a quem mais lhes ofereceu,
não tome a iniciativa, num dia de pior disposição do seu dirigente,
tratando-se evidentemente
de alguém com um poder absoluto, quem sabe se, por motivos rácicos,
por interesses de domínio territorial ou até por simples razões de ódio religioso, entender dar ordem para um dos seus generais carregar no temível botão...
Este é um motivo, mais do que suficiente, para se poder considerar o tema desta
peça de total actualidade. Será, evidentemente, antes de tudo, um obra de ficção,
mas pretende também fazer pensar quem a leia ou quem a veja,
eventualmente, representada. os da América e a União Soviética,
num confronto que, enquanto se manteve latente,
foi denominado de Guerra Fria.
Dado que os dois países dispunham dessa arma terrivelmente mortífera,
a bomba atómica, que, em qualquer altura, poderia ser
deflagrada contra o adversário, envolvendo o planeta
numa definitiva guerra nuclear,
em virtude das retaliações sucessivas que se poderiam verificar
por parte dos dois beligerantes, os chefes políticos mais conscientes
da realidade temiam pelo pior e os cidadãos mais bem informados, ainda
que não se tratasse da maioria da população mundial,
atravessaram um longo período de intranquilidade.
Passados alguns anos sobre o fim da referida Guerra Fria,
que só se concretizou
com a queda do Muro de Berlim
e com a transformação política da então União Soviética,
não se pode dizer que o perigo de eventuais ataques atómicos
tenha terminado, visto que, por via de vendas incontroladas
de segredos, antes bem guardados, da ciência atómica,
sobretudo por técnicos e cientistas descontentes
com as situações indefinidas em que passaram a viver, sobretudo
na Rússia, e também das propostas tentadoras que lhes eram oferecidas por países
governados por políticos irresponsáveis,
o domínio da guerra nuclear deixou de pertencer apenas a duas
nações que, apesar de tudo, sempre poderiam responder,
com mais alguma segurança, ao apelo de bom senso que o mundo lhes fazia.
Não devem, por isso, os homens andar descansados.
Muito embora tenha passado o período do perigo que era mais do conhecimento
da população mundial, não se pode dizer que passou a reinar a tranquilidade absoluta.
Quem sabe se um pequeno país, que tenha adquirido
todos os componentes do poder bélico nuclear,
ou que tenha dado abrigo a um desses cientistas
que venderam a sua ciência a quem mais lhes ofereceu,
não tome a iniciativa, num dia de pior disposição do seu dirigente,
tratando-se evidentemente
de alguém com um poder absoluto, quem sabe se, por motivos rácicos,
por interesses de domínio territorial ou até por simples razões de ódio religioso, entender dar ordem para um dos seus generais carregar no temível botão...
Este é um motivo, mais do que suficiente, para se poder considerar o tema desta
peça de total actualidade. Será, evidentemente, antes de tudo, um obra de ficção,
mas pretende também fazer pensar quem a leia ou quem a veja,
eventualmente, representada.

DESENCANTO... POR ENQUANTO!


Chamar a atenção para situações que dão mostras de estar mal resolvidas, não se deve considerar crítica maldosa. Antes podem contribuir para encontrar melhores soluções: Felizes os que aceitam reparos construtivos. E os agradecem, seguindo-os. Pobres, os que só apreciam as louvaminhas, sobretudo as que são facilitadas com intenções secundárias. Louvores que esperam contrapartidas.

SAUDADE

Lá longe, muito p’ra trás
ficou algo p’lo caminho
coisa que o mundo ignora
não causou guerra nem paz
ocorreu só num cantinho
e não transpirou p’ra fora

Não foi caso invulgar
tantos passaram igual
por esse planeta além
cada um sente pesar
e chora sentido mal
sem os contar a ninguém

Passados tempos findou
o sofrimento de então
e tudo o que se amou
perdeu-se nalgum nevão

Mas há sempre um ferrete
que recorda a mocidade
então a esse lembrete
é que se chama saudade

E nem sempre é maldade
Sentir bem forte a saudade

ESTA LISBOA QUE EU AMO!

EMEL
É mais do que evidente que a cidade de Lisboa está atafulhada de viaturas motorizadas. Acontece cá como sucede em tantas outras cidades espalhadas pelo mundo. Trata-se de um problema que cada país procura resolver à sua maneira e em certos locais chega-se ao recurso de proibir o trânsito automóvel em determinadas horas e/ou em certos dias. É uma atitude discutível e muito contestada especialmente pelos estabelecimentos comerciais, mas ter-se-á que admitir que será um recurso extremo.
Mas falemos apenas da nossa capital, porque é esse tema que tem cabimento nesta coluna. Como é sabido, há anos constituiu-se uma empresa com o objectivo específico de regular o aparcamento nas ruas lisboetas. Marcaram-se os espaços, instalaram-se os parquímetros indispensáveis e contratou-se pessoal para fiscalizar os carros que, não possuindo selo de residentes na área respectiva, ficam sujeitos à multa correspondente Só que esses funcionários da EMEL, bem visíveis pelas suas fardas verdes, não tinham autoridade que bastasse para que a coima fosse efectiva. Tornava-se necessário que um agente policial viesse depois aplicar a punição oficial, o que nem sempre acontecia certamente por falta de guardas disponíveis.
Claro que o português esperto, apercebendo-se da falta de eficiência do sistema, ia-se arriscando, mas ao constatar que, de facto, valia a pena correr esse risco, mentalizou-se que isso de pagar o estacionamento era um “luxo” que só cabia aos outros.
Entretanto foram ocorrendo outros factores favoráveis aos automobilistas prevaricadores lisboetas: primeiro, parece que por dificuldade da EMEL em contratar pessoal de rua – apesar da multidão de desempregados que aumentam todos os dias – deixaram de se ver esses rapazes e raparigas de farda esverdeada a circular pelos locais a que estavam destinados, isso quando parece ter surgido a determinação de ter efeito oficial a multa colocada nos pára-brisas dos carros em situação faltosa, ao mesmo tempo que começaram a surgir arrombados os parquímetros, deixando a EMEL desprovida das receitas que eventualmente existissem.
Quer dizer: juntaram-se todos os ingredientes para aliciar cada vez mais os automobilistas, já por si, na sua maioria, incumpridores de todas as regras relacionadas com a condução e, por que não?, com o estacionamento, a fazerem vista grossa aos parquímetros.
Para que existe, então, essa empresa que, também de acordo com o que consta – visto que, por cá, os esclarecimentos à população são coisa que se usa pouco e mal – está agora dependente da Câmara Municipal de Lisboa ?
O pior de tudo é que, devido a tanto desleixo, se torna cada vez mais difícil encontrar, em grande parte das ruas desta cidade, local para arrumar o carro de cada um. Nem serão precisas outras razões para que os lisboetas supliquem ao Município que deite mãos à obra para que os transportes públicos sejam o mais eficientes possível. Está aí uma das soluções. Por mais difícil que seja pôr em prática tal tarefa.

DESENCANTO... POR ENQUANTO!

Quem anda contente com o mundo, os que não querem ter razão de queixa do ambiente que os envolve, quem nunca sofreu um desgosto ou nunca sentiu o peso da doença, quem se esqueceu de um mau passado e não se preocupa com o amanhã, quem não encontra razões para se sentir desconfortável, quem encolhe os ombros a tudo que se passa, perto ou longe da sua existência, quem mantém permanentemente um sorriso, até mesmo nos funerais ou a assistir a um dramalhão, quem é assim, desta forma, existe de facto?
Se sim, só pode ser um indivíduo que, desde que nasceu, não pôs os pés na terra. Pertence a outro mundo. Desconhece tudo o que se passa por aí, ao pé da porta ou lá muito longe. Não liga às notícias.
Numa palavra: é alguém que anda nas nuvens. Provavelmente nem existe, será uma espécie de fantasma.

domingo, 30 de março de 2008

DESENCANTO... POR ENQUANTO!




Analisando-me de fora percebo a razão da opinião dos outros sobre mim. Eu talvez também não apreciasse a minha pessoa se fosse outro.
O espelho, quando pelas manhãs me olho, não é muito gentil. Eu não fico especado a mirar a reprodução da minha imagem nesse copiador momentâneo de nós próprios, mas é bastante para ficar com a ideia de que não constituo um exemplo de beleza, pelo menos como a que vejo nas fotografias das revistas de moda.
Por dentro, o espelho não me diz nada. É só o que eu sinto. E, verdade seja dito, com frequência não aprecio muito o que vem à minha mente quanto a algum comportamento que terei tido ou alguma palavra que terei dito. E penso sempre que é preciso limar arestas.
Por comodidade, admito que o melhor será que nos desconheçamos a nós mesmos. É o ideal para não irmos ao fundo do poço do nosso espírito. Para nos darmos sempre razão a nós próprios. Para alimentarmos a vaidade. Para não nos afastarmos demasiado da felicidade possível. Quanto menos nos observarmos, melhor nos sentimos.
E, no que diz respeito aos outros? Somos capazes de decifrar o que lhe vai nas entranhas? A nossa análise de terceiros só assenta no aspecto físico, no seu palavreado e no seu comportamento. É o que se passará quanto àquilo que os outros vêem em mim.
Ora, no meu caso que não sou nada risonho por dá cá aquela palha, que sou parco de palavras desnecessárias, que procuro dizer apenas o essencial, por apreciar mais o ouvir quando vale a pena fazer esse exercício e sou impaciente quando me entram nos ouvidos banalidades, adjectivos mal colocados e modernismos de linguagem excessivos, no que me diz respeito tenho de aceitar que não pertenço ao grupo, que por aí existe em quantidade, dos chamados simpáticos. Alguns até profissionais da simpatia!
Quando se tem a noção daquilo que somos, é óbvio que não erradiamos contentamento. Isso de andar a rir permanentemente, se for de facto sentida a alegria, é algo que encurta o passo para a felicidade. Ainda que relativa. Agora, há muita gente que se ri só para mostrar o resultado do trabalho de um dentista competente que pôs todos os dentes brancos e geometricamente iguais. E esses, pobres de espírito, obtêm a felicidade de forma artificial. Mostram o que outros lhes fizeram, não o que eles eram antes.
E como não há tecnologia que tenha capacidade para remendar, equilibrar, transformar completamente o interior da gente, quem é deficiente moral, quem comporta grande dose de egoísmo, quem não hesita em atropelar por qualquer meio e preço o próximo, esse, por mais que se ria e exiba simpatia, não pode ser levado em conta como parceiro desejável.
Mas acontece com muitas coisas neste mundo, em que só nos podemos ficar pelas aparências. Pelo que se vê de fora. Pelo que a nossa intuição, a nossa capacidade de ler os outros no seu interior mais profundo, o nosso gosto até por determinado tipo de pessoas que preferimos, são esses os únicos elementos a que podemos deitar mão.
Por isso é que nos enganamos demasiadas vezes. Que sofremos desilusões. Surpresas. De pessoas que convivem connosco até há muito tempo. E que nunca fomos capazes de descobrir completamente o seu íntimo.
Pelo contrário, os que não têm essa característica de irradiar simpatia, esses não enganam ninguém. Não provocam desilusões.
ESTA LISBOA QUE EU AMO !
Bairro dos Ministérios
O assunto que trago hoje à estampa não tem a ver exclusivamente com a cidade de Lisboa, pois diz respeito a uma decisão governamental que deveria ter sido tomada há muitos anos por qualquer dos governos que passou no Poder. Mas trata-se de uma matéria de tal forma importante para a Capital e útil para todos os cidadãos que, da parte do principal responsável do Município – tanto mais sendo a segunda figura do partido principal da coligação -, merece que não se conforme com as coisas tal como estão.
Explico-me: já há muitos anos me referi na Imprensa ao tema por ter sido inspirado pelo que vi em Madrid, quando ali foi inaugurado o que ficou a chamar-se “El Barrio de los Ministérios”. Isso, ainda no tempo de Franco, imagine-se ! Foi um feito que deixou os madrilenos verdadeiramente eufóricos. E eu pergunto-me: não haverá por cá imaginação e capacidade de iniciativa bastantes para deitar mão a uma obra que deixaria o nome do presidente camarário na história de Lisboa ?
Não sei se algum Governo – e, particularmente, o actual – fez qualquer estudo sobre os gastos que representa para o erário público a pulverização de muitos serviços dependentes de praticamente todos os ministérios, como é o que se verifica em Lisboa. E esse dispêndio elevadíssimo deriva tanto do pagamento de alugueres de andares, lojas e até edifícios inteiros como do pessoal em excesso, por duplicação, para não referir também as viaturas e respectivos motoristas que se encontram ao serviço dos responsáveis de tais dependências.
Um estudo que tivesse sido feito sobre esta problemática mostraria, muito provavelmente, que somando todo o despesismo que resulta da existência de tantos organismos dependentes de cada sector ministerial com o encaixe resultante da venda de propriedades do Estado espalhadas por Lisboa que se encontram com a mesma óptica pulverizadora da administração pública, seria encontrado um valor de tal forma elevado que não admira que fosse suficiente para custear a construção de um Bairro dos Ministérios em local que a edilidade lisboeta poria à disposição para o efeito.
A capital ganharia e muito. Os cidadãos de todo o País deixariam de correr Seca e Meca para solucionar um dos muitos problemas burocráticos que atormentam, desde sempre, os portugueses, na maioria dos casos os lisboetas. E para todos, os que servem e são servidos, o panorama do relacionamento entre eles passaria a ser muito diferente.
O papel do Município alfacinha seria – e oxalá venha a ser – de enorme relevância. Não só na escolha de um local que oferecesse as condições de espaço e de acessibilidades por forma a que não viesse a suceder aquilo que é corrente entre nós, os remendos posteriores por ausência de estudos prévios competentes, mas também porque contribuiriam como exemplo no capítulo do equilíbrio arquitectónico resultante do bom gosto do conjunto e da sua eficiência funcional. Seria o mínimo que se poderia desejar.
Seria também uma forma de se libertar, uma vez por todas, o Terreiro do Paço daquele enxame de repartições, com dezenas de viaturas oficiais à porta, e dar-se-ia então a utilização adequada a todo aquele espaço, como há muito deveria ter acontecido: com actividades artísticas de todas as espécies, quer nos edifícios quer especialmente debaixo das arcadas. E com flores, muitas flores…
Deixo aqui uma sugestão quanto ao local propício à edificação do Bairro dos Ministérios, este, sem dúvida, provocador de larga discussão: a zona onde se situa o ultrapassado e praticamente inválido Estádio Nacional. Haverá quem não concorde, pois haverá. Então que surja outra proposta, mas, seja ela qual for, nasça o Bairro dos Ministérios.

Uma vida difícil ((8)


(continuação)


Essa ligação deu-me muitos contactos com Espanha e que, mais tarde, me foram de certa utilidade. Pelo menos permitiu-me obter a carteira de jornalista de Imprensa Estrangeira, que mantive durante vários anos, passando a pertencer, por isso, à Associação de Correspondentes Estrangeiros em Portugal.
Ocorreu, por essa data, um concurso levado a cabo pelo SNI para serem apresentados uns versos para uma marcha de publicidade turística, cuja tema seria “O Sol vem passar o Inverno a Portugal”. Li, por acaso, esta notícia num jornal enquanto engraxava os sapatos no velho Palladium. Comprei na tabacaria do café uma folha de papel e um sobrescrito e ali mesmo fiz apressadamente uns versos. Como a autoria se mantinha sob pseudónimo, posto que outro sobrescrito é que indicava o nome exacto do autor, talvez por isso o SNI não tenha eliminado logo a minha participação. E não é que ganhei o primeiro prémio e acabei por receber mais tarde o montante de 1.000$0O!... Só que, por razões que desconheço, essa campanha turística nunca foi levada a cabo. Casualidades?
Por essa altura, ainda consegui arranjar uma hora ao Sábado e inscrevi-me no Instituto Italiano, na rua do Salitre, onde conheci o professor, o jornalista António Fiorillo, que me convenceu a associar-me a ele e instalar em Lisboa uma delegação da agência de notícias de Milão, a Mercúrio, com o objectivo de colocar artigos nos jornais portugueses.
Abriu-se então um escritório na praça do Município, pagando uma renda mensal de 500 escudos. Passei a ter uma vida ainda mais assoberbada e era nas horas do almoço que dava assistência à Mercúrio – Agência Jornalística e Editorial, Lda., pois era assim que se chamava a firma criada.

(continua)

ESTA LISBOA QUE EU AMO


(Crónicas semanais publicadas durante 2 anos no "Diário de Notícias"

O País que temos e onde nascemos é como é. Não temos outro remédio que não seja aceitá-lo, mas não é forçoso que nos acomodemos ao que está, sem contribuir, na medida do possível e aceitável, na tentativa de modificá-lo.
É uma atitude sonhadora, é irrealista, é uma luta inglória, dirão, será tudo isso mas quem não anda a dormir ou não está a fazer de morto não terá o direito de apenas encolher os ombros. É o que eu penso e, por isso, não me calo, não me resigno, andarei até ao último dia da minha existência a tentar abanar as estruturas pardacentas dos que têm responsabilidades de intervir e que se julgam estar sempre do lado da razão.
Eu, que em toda a minha vida jornalística sempre usei a pena para denunciar as maleitas nacionais (os que actuam correctamente não necessitam de elogios, porque a sua obrigação é serem competentes, para isso exercem funções públicas), antes tentando enganar a malfadada Censura que me fez tantas vezes engolir sapos vivos e, depois do 25 de Abril, enfrentando os “revolucionários” de pacotilha que se serviram da Democracia para alinhar na libertinagem, o autor destas linhas que conheceu e conhece tantos que alinhavam no Salazarismo, colaborando então no SNI (Secretariado Nacional de Informação, para aqueles que não desse tempo ou, por conveniência, já se esqueceram do que \representava) e depois passaram rapidamente a exibir-se como democratas exemplares, eu, dizia, não posso nem quero manter-me no mais profundo dos silêncios. Acho que chegou de novo a hora de dar o grito do Ipiranga e clamar contra o desvario, a vaidade, o convencimento que pulula por aí de que os que ocupam lugares de poder nunca se enganam,
Temas para pôr em evidência não faltam neste Portugal mal governado, não só de hoje, assinale-se, com este Executivo, mas com o anterior e outros e outros que se têm sucedido, antes porque se vivia em ditadura e depois que se passou a usufruir da democracia. O “empurra para lá que eu quero mandar” tem-se sucedido na História e parece que não vai terminar tão cedo. Aparecer um político, seja de que partido ele seja a pedir desculpa ao Povo por se ter enganado numa decisão tomada é coisa que não ocorre no nosso País. Os “santos” estão todos nos poleiros, os “pecadores” são os outros.
Querendo, pois, ser prático e minimamente útil e legível com facilidade para os que têm pouca paciência para aguentar textos com linguagem que usam os políticos, nesse sentido vou referir-me apenas à Capital, a esta Lisboa que todos os alfacinhas desejam ver radicalmente bem tratada.
E há tanto que fazer neste amontoado de sete colinas!
É esta a minha convicção e, em tais circunstâncias, desejaria que esta coluna servisse para, pelo menos – e não é pedir muito , acicatar o ânimo de quem se encontre `frente da Edilidade alfacinha.
Deixo aos leitores este aperitivo. Espero poder estar, uma vez por semana, a apontar os erros, uns graves outros mais desculpáveis, que o Município comete e não resolve.
Servirá para alguma coisa? Será que não se manterão as habituais orelhas moucas e os olhos vendados porque, como é habitual, quem está certo é que toma lugar nos cadeirões do mando ?
A ver vamos, como diz o cego…
José Vacondeus

Uma vida difícil (7)

(continuação)
Com grande desgosto, pois sentia-me muito bem no ambiente da Bertrand, respondi então a um anúncio e fui convidado para uma reunião na Companhia Singer, com escritórios perto de Santos, onde fui aceite, para entrar dentro de dias.
Quando chegou a data de me apresentar não compareci e foi devido à insistência telefónica do director da Singer, Eduardo Montez Nery, que me tinha entrevistado e apreciou o meu comportamento, tendo-se tornado depois um grande amigo, que acabei por ceder e deixar a Bertrand. Aliás, para a altura, o ordenado era quase o triplo do que recebia até então.
Mas senti-me, de facto, muito mal nas novas funções, embora tivesse ido, logo de entrada, desempenhar funções no departamento da direcção de Lisboa. O ambiente, meio boémio e literário que se respirava na Bertrand, não tinha nada a ver com a rigidez de uma empresa americana, sobretudo porque se tornou quase impossível conciliar o trabalho com os estudos, apesar do horário de trabalho ser melhor. Ainda aguentei, mesmo assim, perto de três anos... mas comecei a pensar em desistir.
Nas primeiras férias que tive – e tenho a impressão que foram as últimas, por minha iniciativa, em toda a minha vida -, uma escassa semana, fui por minha conta a Madrid, de combóio, em 2º. Classe, e dispondo apenas de mil escudos para lá passar uns dias.
Instalei-me na Pension Millan, na Gran Via, onde pagava 60 pesetas por dia, pensão completa – num 5.º andar em que só se podia usar o elevador para subir - . Com o câmbio a 2 pesetas cada escudo, consegui sobreviver e conheci nessa altura o director de uma agência jornalística espanhola, a Argos, José Luís de Castro Vazquez de Prada, que me convidou para ser representante em Portugal, com o encargo de enviar semanalmente material jornalístico sobre o nosso País, o qual era publicado em cerca de 60 jornais espanhóis de província, muitos deles diários de tiragem superior aos grandes portugueses.
(continua)

sábado, 29 de março de 2008

D.QUIXOTE


Viver sonhando, cavaleiro andante,
fidalgo adormecido com leituras
acompanhado por seu ajudante
Sancho Panza, o homem das gorduras
foi pela pena de Miguel Cervantes
que nasceu Don Quixote de la Mancha
uma obra das mais extravagantes
que nos livros provocou avalancha.
Limpou armas velhas de antepassados
estudou nome para o seu cavalo
pôs nisso todos os melhores cuidados
passou a ser mais um fiel vassalo
Rocinante se veio a chamar
embora belo exemplar não fosse
também de princesa veio precisar
uma donzela com um fundo doce
e a uma moça de bom parecer
que pouco conheceu o cavaleiro
crendo que seria sua mulher
e que daria força ao guerreiro
Dulcinea de seu nome criou
e sem mais esperas, de corpo inteiro
os seus trajos de guerra enfiou
com os cuidados de homem solteiro
colocou a espada e a lança na mão
e sem ter de dar contas a ninguém
montando Rocinante com paixão
partiu por aqueles campos além.

São longas histórias do trajecto
com dormidas em casebres bem pobres
imaginando-se sob bom tecto
e crendo comer à mesa dos nobres
falando a sós com muitas fantasias
procurando os moinhos de vento
quais gigantes que eram manias
mais do que isso eram tormento
pois que as suas velas que giravam
eram para Quixote braços compridos
que aos cavaleiros ameaçavam
com seus rodopios e seus grunhidos
o escudeiro Sancho Panza, coitado,
bem procurava o amo acordar
pois não seria um qualquer malvado
mas apenas moinho em seu rodar.
E também em suas mulas dois frades
foram alvo do sonho de Quixote
que picou Rocinante com vontades
de dar aos dois monges um chifarote.
Vinham de preto duas criaturas
pareceram a Quixote malvados
sendo autores das mais negras loucuras
merecendo assim ser castigados.
Teve o escudeiro de acudir
mas mesmo assim acabou tudo mal
pois não foi nada fácil conseguir
convencer que era gente de moral
pelo que Quixote clamou aos gritos
por Dulcinea, flor da formosura
para que o salvasse dos atritos
a si mesmo, o da boa figura.
De tudo que ao fidalgo sucedeu
engenhoso de tristes aventuras
não se daria com qualquer plebeu
por maiores que fossem as bravuras.
Mas aos famosos também o fim chega
p’ra D. Quixote não houve perdão
e o Céu não lhe deu nenhuma achega
dando como finda sua missão
morreu rodeado de alguns amigos
de Sancho Panza e do seu barbeiro
e de outros que correram perigos
sofrendo alguns enganos do guerreiro
a todos confessou naquela hora
no mais belo e puro castelhano
pois devia afirmá-lo sem demora
que o seu nome era Alfonso Quijano
e D. Quixote já não se chamava
odiava histórias profanas
assim como uma atitude brava
com antigas manias espartanas.

Esta a confissão de Miguel Cervantes
depois do seu belo livro terminar
não era possível fazê-lo antes
mas foi uma atitude exemplar

Uma vida difícil (6)


(continuação)
A publicação durou sete ou oito meses e constituiu um verdadeiro êxito. Mas, como o brasileiro quis fazer daquela iniciativa uma forma de ganhar dinheiro pessoalmente, não pagando a ninguém e nem sequer à tipografia, o fim não podia ser outro. Por meu lado, ainda me mantive na Bertrand cerca de um ano, até terminar o Instituto Comercial. Então preparei-me, com a ajuda de um frequentador assíduo da livraria, o professor Pinto Barriga – que me chamava o “meu homónimo”, porque descobriu que eu tinha um apelido Pinto -, e fiz o exame de admissão ao Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, nome que tinha na época, mas que se situava numa zona distante do Chiado, na rua do Quelhas, pelo que comecei a pensar em mudar de local de trabalho, por forma a poder cumprir horários tanto mais que , nessa altura, não havia aulas nocturnas no Instituto. Mas foi muito contrariado que enveredei por aquela área da economia, posto que aquilo que constituía o meu sonho era História e Filosofia, na Faculdade de Letras, mas o sistema de ensino da época não permitia que, por via da Escola Comercial - embora se aprendesse mais do que no Liceu, como tive ocasião de confrontar com amigos que tinham chegado ao 7.º ano -, pudesse enveredar por um curso superior diferente da I.S.C.E.F. (continua)

quinta-feira, 27 de março de 2008

Uma vida difícil (5)

A revista veio a chamar-se “Mundo Ilustrado” e foi nessa altura que conheci, na referida Redacção como meu colega, o Fernando Piteira Santos, que tinha cerca de mais 10 anos do que eu e que depois, durante uma longa caminhada, colaborou comigo em diversas iniciativas. Fomos grandes amigos até à sua morte. Era, de facto, uma personalidade de alto nível intelectual e que, nessa altura, foi expulso do Partido Comunista, por motivos que nunca foram muito aclarados., mas que se dizia ser pela “sombra” de cultura que faria a Álvaro Cunhal.
Se já tinha pouco tempo antes, com enormes correrias e utilizando algumas horas do dia da Bertrand, lá me fui distribuindo entre a livraria, o Instituto Comercial e a revista.
Foi convidado para director da publicação o jornalista e chefe de Redacção do “Diário de Lisboa”, Norberto Lopes que, como era grande amigo do ministro do Interior de Salazar, Trigo de Negreiros, era aceite pela situação, embora com relutância. E começou-se a fazer o primeiro número, com a minha total dedicação ao projecto. Só que, logo a seguir, surgiu a notícia de que Norberto Lopes não poderia cumprir a missão com que se tinha comprometido porque tinha sido confrontado com a imposição do director do “Diário de Lisboa”, Joaquim Manso, de só o nomear subdirector do vespertino, na condição dele desistir de fazer parte da revista (mais tarde, fundou com Mário Neves o vespertino "A Capital").
Vimo-nos, assim, a meio da feitura do primeiro número do “Mundo Ilustrado”, sem director oficial e sem saber quem poderia ser aceite pela Censura que, na época, era quem autorizava ou proibia o exercício dessas funções.
Até que o Piteira Santos e eu nos lembrámos de Fernando Fragoso, secretário-geral do “Diário de Notícias” e cumulativamente secretário do cinema S. Luís. Como este não era longe das instalações do “M.I.” e o brasileiro não conhecia ninguém, fomos convidá-lo para dirigir a revista e, após a surpresa com a ideia, acabou por aceitar.

quarta-feira, 26 de março de 2008

Uma vida difícil (4)


(continuação)

Entretanto, tinha eu 19 anos, um dia, na rua, deu-me um ataque de tosse e cuspi sangue. O médico que me tratou na altura, o dr. Thomé Georges Villar, já falecido, diagnosticou-me uma caverna no pulmão direito. Estive dois meses de cama e fiz, durante um ano, o que era usual na época: o pneumotórax. Soube que o meu Pai chorou quando lhe deram a notícia. Fui depois dado como curado.
A Livraria Bertrand, contra o que era habitual na altura, pagou-me sempre o ordenado e acolheu o meu regresso ao trabalho. Nisso, terá tido influência o bom ambiente que existia da parte do meio de escritores com quem mantinha uma relação muito constante. Tinha então 20 anos e era o momento de me sujeitar à Inspecção militar.
Com surpresa, dada a minha doença recente, fiquei apurado para todo o serviço e recebi ordem de seguir para Tavira. Só mediante requerimento para nova inspecção acabei por ficar livre.
Por esse tempo, apareceu na Bertrand um brasileiro, bem - falante, homem já não novo, que me disse estar a montar em Portugal uma sociedade editora que iria lançar uma revista inédita entre nós.
Seguramente tendo-se informado do meu intenso relacionamento com o meio literário e jornalístico que tinha a Bertrand como ponto de confluência, veio-me convidar a colaborar na iniciativa e de o ajudar a formar a Redacção. Já tinha alugado um escritório e como era na rua da Misericórdia, a dois passos da livraria, aceitei a incumbência, apesar do pouco tempo de que dispunha.
(continua)

AMANHÃ




Chegado aqui
a esta hora da vida
já percebi
como foi triste a corrida
desenfreada
cheia de baixos e altos
desencantada
não faltaram sobressaltos
só compensada
pelo intercalar de sonhos
na busca imensa
da fuga dos enfadonhos
e com descrença
contemplo esta vida chã
e no escuro
não me censuro:
tenho medo do amanhã!...

Uma vida difícil (3)


(continuação)

Foi aí que se desenvolveu a minha paixão por tudo que é literatura e pelo jornalismo, tanto mais que fiquei obrigatoriamente responsabilizado pela Censura de ler todo os dias os jornais ingleses que chegavam de avião ao aeroporto e ver se haveria alguma matéria que seria susceptível de ser censurada. Caso considerasse algum artigo que me deixasse dúvidas de não agradar ao regime deveria comunicar à Censura, sob pena de ser eu o responsável e preso por isso. Escusado será dizer que nunca interferi na proibição de qualquer jornal, defendendo-me sobretudo pelo facto de os censores oficiais não saberem inglês!
O meu relacionamento com escritores daquela época foi vital para a minha formação. Como, por exemplo, com Aquilino Ribeiro, que me tomou como seu pupilo. Foi uma experiência que me marcou para toda a vida, sobretudo os cafés que íamos tomar todas as tardes ao saudoso Café Chiado, e os ensinamentos que ouvi, eu um jovem deslumbrado com o meio literário, de um mestre da literatura portuguesa.
Foi, de resto, anos mais tarde, quando publiquei o meu primeiro livro, o "Dicionário Enciclopédico de Datas" – a que adiante me refiro - (uma obra que, estando completamente esgotada, foi vendida em fascículos, durante 5 anos, e em que, cada 6 meses, era oferecida aos assinantes a encadernação respectiva de cada volume saído, o que atingiu 8 volumes, tendo sido toda a obra encadernada vendida por completo a uma editora brasileira), tendo o próprio Aquilino Ribeiro, então presidente da Sociedade Portuguesa de Escritores, apadrinhado a minha entrada como sócio daquela prestigiada organização - encerrada mais tarde pela PIDE, como os da época se recordam.
Sendo um melómano que sempre demonstrou uma paixão pela música erudita, nem eu sabendo bem hoje como tal ocorreu, e tendo até dificuldade em situar cronologicamente com exactidão as alturas em que as situações se passaram, só sei dizer que consegui arranjar tempo para fazer parte do Coro Popular de Lisboa, da Emissora Nacional, em que os ensaios eram uma vez por semana. Ganhava 50 escudos por mês! Daí e por influência do maestro Dias Pombo, director do referido Coro, ingressei no Coro do Teatro de S. Carlos, como barítono, e, por isso, posso dizer por graça que “cantei” com o célebre Gino Becchi...
Mas, como não podia deixar de ser, não tinha materialmente tempo para tocar tantos instrumentos e apesar de me fazerem falta os 300 escudos que pagava o S. Carlos, fui forçado a optar por outras actividades e pelos estudos, pois que tinha tido que interrompê-los durante um ano.
Recomecei, pois, depois desse interregno, a estudar à noite e concluído o 5.º ano passei para o Instituto Comercial, na rua das Chagas. Logo, o local de trabalho na Bertrand mantinha-se útil em relação à distância estudo-trabalho, tanto mais que tinha aulas de manhã, das 8 às 10 horas (mas entrava na Betrtrand às 9), e à noite das 8 à meia noite. Valeu-me na altura o administrador da Livraria, o francês barão Christian de Caters, também ele escritor, ter-me preatado o seu apoio, muito embora se tratasse de uma verdadeira correria matinal que tinha de fazer, sendo obrigado, por vezes, a faltar à última aula.
(continua)

sábado, 1 de março de 2008

Uma vida difícil (2)

Tive então oportunidade de ir trabalhar para um despachante oficial, no edifício da Alfândega de Lisboa. O despachante Pedro Jacinto Ribeiro.
Era um trabalho que exigia grande destreza para poder movimentar os despachos nos diferentes postos alfandegários, lidando com muito dinheiro (à época). Mas parece que me desembaraçava satisfatoriamente, tanto mais que ganhava como praticante e exercia funções de ajudante de despachante. Mas trabalhava muito e até levava o almoço para o emprego e aproveitava todos os momentos para ir preparando os estudos da noite.
Foi assim que fui enfraquecendo, ao ponto de a minha Mãe ter tomado a iniciativa de me mandar, no Verão, para a terra da minha Avó Maria, na Cunha da Beira Alta. Foi uma experiência verdadeiramente dolorosa, não só pelas condições de alojamento como também pela incompatibilidade de relacionamento com aquela minha Avó.
Regressei, recomecei os estudos, já no 4.º ano, e arranjei emprego numa casa representante de vinhos, A Serra Campos Ferreira, na rua António Maria Cardoso, mesmo em frente da sede da PIDE, onde comecei a aprender a odiar aquela instituição, pela constante chegada de carrinhas com presos políticos. Foi motivo principal o ter aceite este emprego, o facto de se situar muito perto da Veiga Beirão, onde estudava à noite.
Ainda me mantive cerca de dois anos no trabalho pouco interessante do referido escritório, tanto mais que o tal Campos Ferreira que, por sinal, era casado com uma mulher com o dobro dos anos, a escritora Alice Ogando, era também proprietário do restaurante-boite “Tágide”, muito na moda na época, e tinha o péssimo costume de só comparecer no escritório, todos os dias, por volta das 18 horas, obrigando a prolongar o trabalho apenas por causa do seu egoísmo.
Foi por isso que, de novo por minha iniciativa, procurei mudar e, devido a falar francês, encontrei emprego no primeiro sítio que verdadeiramente me agradou: na Livraria Bertrand. Fui colocado na secção de publicações estrangeiras e, dado o meu desembaraço, passei a ter funções de responsabilidade, estando encarregado das assinaturas de publicações de todo o mundo.
(continua...)

Ainda que...


Nesta vida a esperança tem de ser
Aquilo que sempre faz renascer
A desejada luz que alumia
Aquele que para muitos faz de guia

Ainda que as nuvens se acinzentem
E que as más sortes se movimentem
Contra tu que anseias p’la fortuna
Nem tudo é intransponível duna

Ainda que percas todo o negócio
Que as relações se azedem com o sócio
Que seja preciso mudar de vida
Haverá outro ponto de partida

Ainda que a saúde dê de si
E sintas que o mundo não te sorri
Apesar disso há que acreditar
Que a cura p’ra doença vai chegar

Ainda que um amigo te magoe
Deixe de ser p’ra ti aquele herói
Por muito que te faça indignar
Vale sempre a pena perdoar

Ainda que a família vá morrendo
Que os amigos vão desaparecendo
E a solidão te deixe abatido
Ainda assim nem tudo está perdido

É duro golpe para um só mortal
É como cravar no peito um punhal
Mas mesmo que todo o mal aconteça
É preciso levantar a cabeça
Pô-la a comandar o coração
E seguir firme noutra direcção

Tudo tem remédio neste mundo
Puxando p’ra cima o que está no fundo
Não deixando que haja sempre um se
E dando razão ao ainda que

Uma vida difícil (1)


Desde muito pequeno que sofro daquilo que tem contribuído para um certo afastamento da felicidade: é que estou permanentemente em plena actividade de pensamento. Nunca me descontraio e liberto do pesadelo de ter sempre presente factos passados, associando tal prática ao exercício da imaginação daquilo que poderia ter acontecido e não aconteceu.
Foi assim que cresci, numa família com dificuldades económicas, se bem que tivesse tido a felicidade de ter uma Mãe que merecia todo o amor e sacrifício que lhe pudesse dedicar. Quanto ao meu Pai, que pena tenho hoje de não ter sido capaz de estabelecer um diálogo de amigos, pois reconheço que deveria caber-me a mim esse passo, tanto mais que consigo perceber agora que se tratava de um homem cheio de sensibilidade que apenas precisava de um abraço filial.
Com uma irmã mais velha quase dois anos, beneficiou ela desse facto tendo feito o curso liceal num colégio particular. Não era possível, pois, suportar os gastos com os meus estudos num liceu, embora tivesse chegado a fazer o exame de admissão. Optou-se, desta forma, pelas via da Escola Comercial, o que sucedeu, com grandes dificuldades, durante três anos.
Mas era-me visível o difícil que se tornava para os meus pais custear os gastos com dois filhos. No meu caso, recordo-me bem, até os livros escolares eram emprestados anualmente por uma associação de beneficência que existia na rua de S. Lázaro. E tinha que os devolver no fim de cada período escolar em perfeitas condições, o que ensinou a respeitar os livros com grande cuidado.
Por esse motivo, subitamente comuniquei à minha Mãe que tinha respondido a um anúncio no Jornal. Por minha iniciativa, com 15 anos, resolvi arranjar emprego e continuar os estudos à noite. Não tinha alternativa.. Era um facto consumado.
Comecei, assim, num escritório lúgubre do restaurante ainda hoje existente – Central da Baixa.
Mas não consegui suportar aquele antro, tanto mais que tinha que aguentar as aulas nocturnas.
Não estive lá mais de dois ou três meses e nem me ficou na memória senão o ambiente escuro, sempre com luz eléctrica acesa, e em que o meu trabalho consistia em conferir os “tickets” dos empregados de mesa do restaurante...
(continua...)
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Cópia de Picasso em acrílico, da autoria de J.V.