sábado, 1 de março de 2008

Uma vida difícil (1)


Desde muito pequeno que sofro daquilo que tem contribuído para um certo afastamento da felicidade: é que estou permanentemente em plena actividade de pensamento. Nunca me descontraio e liberto do pesadelo de ter sempre presente factos passados, associando tal prática ao exercício da imaginação daquilo que poderia ter acontecido e não aconteceu.
Foi assim que cresci, numa família com dificuldades económicas, se bem que tivesse tido a felicidade de ter uma Mãe que merecia todo o amor e sacrifício que lhe pudesse dedicar. Quanto ao meu Pai, que pena tenho hoje de não ter sido capaz de estabelecer um diálogo de amigos, pois reconheço que deveria caber-me a mim esse passo, tanto mais que consigo perceber agora que se tratava de um homem cheio de sensibilidade que apenas precisava de um abraço filial.
Com uma irmã mais velha quase dois anos, beneficiou ela desse facto tendo feito o curso liceal num colégio particular. Não era possível, pois, suportar os gastos com os meus estudos num liceu, embora tivesse chegado a fazer o exame de admissão. Optou-se, desta forma, pelas via da Escola Comercial, o que sucedeu, com grandes dificuldades, durante três anos.
Mas era-me visível o difícil que se tornava para os meus pais custear os gastos com dois filhos. No meu caso, recordo-me bem, até os livros escolares eram emprestados anualmente por uma associação de beneficência que existia na rua de S. Lázaro. E tinha que os devolver no fim de cada período escolar em perfeitas condições, o que ensinou a respeitar os livros com grande cuidado.
Por esse motivo, subitamente comuniquei à minha Mãe que tinha respondido a um anúncio no Jornal. Por minha iniciativa, com 15 anos, resolvi arranjar emprego e continuar os estudos à noite. Não tinha alternativa.. Era um facto consumado.
Comecei, assim, num escritório lúgubre do restaurante ainda hoje existente – Central da Baixa.
Mas não consegui suportar aquele antro, tanto mais que tinha que aguentar as aulas nocturnas.
Não estive lá mais de dois ou três meses e nem me ficou na memória senão o ambiente escuro, sempre com luz eléctrica acesa, e em que o meu trabalho consistia em conferir os “tickets” dos empregados de mesa do restaurante...
(continua...)
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Cópia de Picasso em acrílico, da autoria de J.V.

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