quarta-feira, 26 de março de 2008

Uma vida difícil (3)


(continuação)

Foi aí que se desenvolveu a minha paixão por tudo que é literatura e pelo jornalismo, tanto mais que fiquei obrigatoriamente responsabilizado pela Censura de ler todo os dias os jornais ingleses que chegavam de avião ao aeroporto e ver se haveria alguma matéria que seria susceptível de ser censurada. Caso considerasse algum artigo que me deixasse dúvidas de não agradar ao regime deveria comunicar à Censura, sob pena de ser eu o responsável e preso por isso. Escusado será dizer que nunca interferi na proibição de qualquer jornal, defendendo-me sobretudo pelo facto de os censores oficiais não saberem inglês!
O meu relacionamento com escritores daquela época foi vital para a minha formação. Como, por exemplo, com Aquilino Ribeiro, que me tomou como seu pupilo. Foi uma experiência que me marcou para toda a vida, sobretudo os cafés que íamos tomar todas as tardes ao saudoso Café Chiado, e os ensinamentos que ouvi, eu um jovem deslumbrado com o meio literário, de um mestre da literatura portuguesa.
Foi, de resto, anos mais tarde, quando publiquei o meu primeiro livro, o "Dicionário Enciclopédico de Datas" – a que adiante me refiro - (uma obra que, estando completamente esgotada, foi vendida em fascículos, durante 5 anos, e em que, cada 6 meses, era oferecida aos assinantes a encadernação respectiva de cada volume saído, o que atingiu 8 volumes, tendo sido toda a obra encadernada vendida por completo a uma editora brasileira), tendo o próprio Aquilino Ribeiro, então presidente da Sociedade Portuguesa de Escritores, apadrinhado a minha entrada como sócio daquela prestigiada organização - encerrada mais tarde pela PIDE, como os da época se recordam.
Sendo um melómano que sempre demonstrou uma paixão pela música erudita, nem eu sabendo bem hoje como tal ocorreu, e tendo até dificuldade em situar cronologicamente com exactidão as alturas em que as situações se passaram, só sei dizer que consegui arranjar tempo para fazer parte do Coro Popular de Lisboa, da Emissora Nacional, em que os ensaios eram uma vez por semana. Ganhava 50 escudos por mês! Daí e por influência do maestro Dias Pombo, director do referido Coro, ingressei no Coro do Teatro de S. Carlos, como barítono, e, por isso, posso dizer por graça que “cantei” com o célebre Gino Becchi...
Mas, como não podia deixar de ser, não tinha materialmente tempo para tocar tantos instrumentos e apesar de me fazerem falta os 300 escudos que pagava o S. Carlos, fui forçado a optar por outras actividades e pelos estudos, pois que tinha tido que interrompê-los durante um ano.
Recomecei, pois, depois desse interregno, a estudar à noite e concluído o 5.º ano passei para o Instituto Comercial, na rua das Chagas. Logo, o local de trabalho na Bertrand mantinha-se útil em relação à distância estudo-trabalho, tanto mais que tinha aulas de manhã, das 8 às 10 horas (mas entrava na Betrtrand às 9), e à noite das 8 à meia noite. Valeu-me na altura o administrador da Livraria, o francês barão Christian de Caters, também ele escritor, ter-me preatado o seu apoio, muito embora se tratasse de uma verdadeira correria matinal que tinha de fazer, sendo obrigado, por vezes, a faltar à última aula.
(continua)

1 comentário:

Anónimo disse...

Christian de Caters hace un retrato de Lusitania Felix