quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

ANGÚSTIA

Angústia
é ter dor no vazio
e não nos podermos queixar
de um ponto qualquer do corpo
é sentir a falta de algo
e o estar farto do demasiado
é o não poder respirar bem fundo
e o ter ar a mais no peito
o ler e arrepelar-se
e o não ver nas escritas
aquilo que consolaria
é o fazer a sua própria obra
e ficar insatisfeito
arrependido
por a ter iniciado

Angústia
é o estar só
ou mal acompanhado
é o ter gosto pela música
e só ouvir ruído
é querer fazer poesia
e só lhe sair rima
é ver nas livrarias as obras saídas
e interrogar-se: e as minhas
que continuam guardadas?

Sim, angústia
quando aparece
custa a ir-se embora
se é que vai algum dia
enquanto por cá se anda.

Logo pela manhã, ao despertar
ela aí está
matreira, à espreita
a castigar o cérebro
a implicar com os projectos
quando os há
a encher os ouvidos
com o não vale a pena
com o porquê e para quê
com o desconsolo

Angústia
é má conselheira
pode provocar a inveja
se não for bem interiorizada
e aí
deixa de ser um mal próprio
para passar
a ser mal ao próximo
e isso há que evitar

Angústia
cada um tem a sua
e rege-a conforme pode
se é que pode
porque quem não a sente
também não terá consciência
de que há algo
que deve mudar
em si
e no que se encontra
à sua volta

Angústia
como a minha
já me habituei
incomoda-me
mas também me desperta
para tentar emendar os erros
para mudar de caminho
para o outro ao lado
que não será muito distante
só que não é o mesmo
o de antes

Oh Angústia
se não a tivesse
sentia-me envolvido pelo rebanho
era igualzinho aos outros
não havia nada em mim
que me despertasse
que criasse a revolta interior
aquela que me faz escrever
o que escrevo
e não me obrigasse a fazer a pergunta:
para quê?


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