quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

RAULZINHO



A homenagem que foi feita ao Raul Solnado e que reuniu na Casa do Artista uma mão cheia de artistas tidos como humoristas, tendo sido organizado um programa com o título “Maratona do Humor” que ocupou toda uma tarde da SIC, e em que, por sinal, actuou como apresentador o conhecido Herman José, esse espectáculo chamou-me a atenção e fiz o esforço para assistir a todo a cena, pois que nesta fase em que nos encontramos, de uma tristeza geral com a chata da crise que chegou e não sabemos como e quando terminará, tudo o que seja trazer alguma alegria ao nosso semblante deve ser aproveitado ao centímetro e ao segundo.
Mas, afinal o que me sucedeu foi ter entrado numa profunda tristeza provocada por dois motivos que, a mim particularmente, me tocaram: tratou-se de constatar como sou, de facto, antigo e, por outro lado, como até no meio do espectáculo está completamente exaurido o espírito de humor, sendo necessário fazer um grande esforço para, no mínimo, se sorrir com as piadas que os fazedores de alegria pretendem justificar a sua existência profissional.
O ser antigo tem a ver com o meu aparecimento ao redor do meio artístico e a justificação foi, única e exclusivamente, por razões profissionais de jornalista. No caso do Raul Solnado, o seu aparecimento deve-se ao facto de, há cerca de 56 anos, na minha juventude, portanto, sendo eu amigo do proprietário do Maxime, cabaret muito na berra nessa altura, o Carlos Cabeleira de seu nome, por sinal tio do pianista José Cabeleira, este que eu conheci de criança, pediu-me para escrever um texto para ser interpretado pelo José Viana, na altura ainda não conhecido e praticante na Casa Alunos do Apolo, e isso para dar uma variante aos ballets de espanholas que eram os espectáculos usuais naquela altura e naqueles tipos de estabelecimento.
Saiu-me então a ideia de criar um amolador de tesouras e navalhas, com um monólogo cantado que surgia na pista reservada aos ballets, mas, na verdade, apesar da habilidade do José Viana, não correspondia ao que se pretendia. Dei-lhe um nome, “O Sol da Meia-Noite” mas, desde logo, impunha-se que o monólogo se transformasse em diálogo e, para isso, era necessário encontrar um comparsa que fizesse o papel do companheiro do amolador. E foi aí que o José Viana propôs trazer dos Alunos do Apolo um rapaz que lá se encontrava também em situação de aprendizagem. E apareceu, na noite seguinte, um rapazinho, com um casaco por cima do rabo e… gago. Era o Raul.
Foi para ele que tive de acrescentar o texto já feito, embora com o problema de não poder escrever frases muito extensas, pois o gaguejar do Raul não permitia alargar-me na inspiração. Lembro-me perfeitamente que, na época, o Raul Solnado foi ganhar 50 escudos por noite e ele recordou-me que, tempo depois, foi aumentado para 70 escudos.
Como o tempo passa! Parece que foi ontem que, à mesa do Café Lisboa, escrevi o texto que também contou com uma mãozinha do José Viana. E sobre este bom artista também tenho uma história para contar que se passou entre nós dois. Mas fica para outra altura.
Bem me têm desafiado a escrever um livro de memórias, mas não estou para aí virado. O que tenho para largar cá para fora, para além dos milhares de páginas que preenchi em toda a minha vida de escrevinhador, não se coaduna com o estilo biográfico. Muita gente iria ficar furiosa se eu contasse tudo a que assisti. E eu, que quero morrer descansado com a minha consciência!...Não será por mim que se tornarão públicas centenas de situações de que eu fui testemunha, com muita gente que, pelos vistos, tem a memória curta ou só se recorda dos momentos altos.
Eu é que me rio para dentro!...

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