sexta-feira, 25 de julho de 2008

CACILHEIROS



Apeteceu-me um dia
recordar o passado,
andar para trás
muitos anos,
pôr o saudosismo em acção.
E fui ao Cais das Colunas
às que lá não estão
mas que eu as vi
na memória
e descendo aqueles degraus
molhei os pés no Tejo,
que frescura!
que odor!
que beleza as gaivotas em liberdade.
Como me recordo
dos cacilheiros que saiam logo dali
e chegavam ao mesmo sítio,
os cabos para os prender ao cais
eram atirados
com precisão
fixavam-se nas amarras
e as gentes,
sem aguardar o encosto completo
saltavam,
corriam para os seus destinos,
os imediatos,
enfiavam-se na praça,
nessa bela praça,
no Terreiro do Paço,
que podia ser ainda mais bonito,
muito mais bonito,
mas as gentes nem dão por isso,
a Praça do Comércio (que nome!)
não tem ajuda do poder
para a tornar muito mais atractiva.
Correm para a vida,
os populares,
os cacilheiros, já bem encostados,
deixam sair os passageiros,
os mais calmos,
também esses já sem se importar
que o Cais das Colunas
já não seja o que era antes.
É gente da outra Banda
que dorme lá
que ganha a vida deste lado,
que transformou Cacilhas,
o Ginjal,
Trafaria,
Caparica
em dormitórios.
Tu, cacilheiro, foste o culpado.
Antes da ponte
eras dono e senhor
do rio,
só tu ligavas as margens
do Tejo que,
no final, parece um oceano.
Eras o patrão do Tejo.
Agora, já não és essencial,
imprescindível,
única solução.
Mas continuas a ser útil,
desejado,
e, sobretudo, manténs a tradição
alimentas o saudosismo,
és uma relíquia preciosa
para a memória,
mas também os que não usam a ponte,
a que já teve dois nomes,
que são bastantes,
e ainda bem,
porque tu,
ó cacilheiro dos velhos tempos
pode ser que acabes por vencer
a modernidade,
a que deitou abaixo as colunas
e arredou para mais longe
o local onde te encostas para descansar,
de cada viagem,
fazendo-te perder a graça,
essa de ver entrar e sair a populaça,
no sítio certo, junto às colunas.
Foi isso que a imaginação
trouxe até mim,
o olhar para o Tejo e contemplar,
sentado em frescos bancos
de pedra,
com a barra ao fundo,
vária navegação circulando,
respirando o ar marítimo,
mastigando pipocas
e pevides,
compradas ao velho do tabuleiro,
que sonho!
E, de repente,
caí em mim.
Esta Lisboa que faz a inveja
de outras grandes capitais
que não têm este rio
a seus pés,
esta cidade que deslumbra as outras,
mas que, em lugar de olhar para fora,
para a água salgada,
para as ondas com a sua espuma,
para o reluzir do Sol no Tejo,
vira-se para dentro,
para o seu umbigo,
e nem parece ser
terra de Navegadores,
antigos mas recordados,
ficando-se com a impressão de que
se tem vergonha
de ficar à borda do mar das Descobertas.
Não merecemos o que temos,
e tu, ó cacilheiro,
ainda serás algo,
já pouco,
que tem de nos avivar a memória,
chamar a atenção para
o pouco que nos resta.
A modernidade?
Pois sim, mas sem destruir
as jóias do passado.
Que bonito é ver o cacilheiro
encolhidinho,
ao lado do grande paquete,
majestoso,
que passa
a abarrotar de tecnicismo,
orgulhoso do seu porte,
transportando uma multidão
a olhar sobranceiro
o pequeno cacilheiro,
a ínfima embarcação
a cruzar o Tejo na sua humildade
como um pedinte
se aproxima
do carro de luxo
num semáforo.
Ó cacilheiro,
modesto trabalhador que
nasce, vive e morre
sempre com o mesmo mister,
com a mesma viagem,
repetitiva,
monótona,
mas prestando um serviço,
sendo útil,
indispensável,
com gente sempre à sua espera,
que o aguarda a olhar para o relógio,
como quem combinou com o namorado
um encontro.
Ó cacilheiro,
Tu, em que as gaivotas
tuas conhecidas
poisam na amurada
saudando-te,
lembrando-te quem és,
não te deixando sonhar com fantasias,
com luxos,
com atitudes que não são as tuas.
Tu és o que és
e nós queremos-te assim.

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