quinta-feira, 12 de junho de 2008

QUANTOS FERNANDOS PESSOAS ANDARÃO POR AÍ?


A frase em mim não é inédita. Somos um País de extravagâncias. De exageros. Do mínimo e do máximo. É uma característica. Não é um defeito só por si. Mas pagamos por sermos dessa forma. E eu explico o que quero dizer na situação que me leva a fazer esta nota.
No capítulo de “fabricarmos” ídolos, pessoas destacáveis, gente que aparece permanentemente nos écrans das televisões e nas capas de certas publicações, personalidades que, por tudo e por nada, são consideradas como merecedoras de serem apontadas como exemplares – geralmente no bom sentido -, nessa área há por aí uns profissionais da glorificação, usando e abusando dos chamados tempos de antena para atirarem para os olhos do público gentinha que, feitas bem as contas, nem se percebe o motivo por que não são, apenas e só, conhecidas vagamente na rua onde moram.
Mas, ao fim e ao cabo, até se entende que tais criaturas sejam usadas para preencher espaço e tempo dos chamados “comentadores” das vidas alheias, também classificadas com uma profissão que não consta ainda do cardápio de actividades que podem ser colocadas no cartão de visita. Também há quem lhes chame tertulianos”, um arremedo de mau gosto dos antigos frequentadores de cafés, onde, sob algum fundo intelectual e criativo, eram discutidas teses, princípios, até mesmo dogmas políticos e religiosos em que procuravam que saísse da discussão alguma luz que, tantas vezes, acabou por ser passada a excelentes obras de interesse público.
Não preciso de acrescentar que não é nada disso que se passa agora. O vazio de conteúdo é o que resulta dessas conversas mal delineadas dos mexeriqueiros da vida dos outros.
Adiante pois.
Este meu desabafo preambular serve apenas para criar uma espécie de tapete vermelho ao tema que me leva a encher este espaço. É que, precisamente amanhã, a Câmara Municipal de Lisboa, que também tem, de vez em quando, rasgos de iniciativas louváveis – e, nesta altura, até se compreende pela aflitiva falta de verbas que reina por aquela Casa – vai levar a efeito um espectáculo, com entrada livre, com música e manifestações artísticas, que homenageiam o enorme, o tão pouco divulgado escritor e poeta (com o merecimento que lhe cabe) que, por sinal, é o autor português mais importante no Brasil. Refiro-me, está bem de ver, ao grande Fernando Pessoa, o ignorado durante anos – e hoje ainda tão pouco divulgado junto da juventude -, o que, por sinal, completaria 120 anos se fosse vivo nesta data.
O escriturário, o ajudante de guarda-livros de um escritório num terceiro andar da rua dos Douradores, o residente isolado num quarto alugado na Baixa lisboeta, tendo nascido no largo de S.Carlos mas transferindo-se em criança para a África do Sul, onde nunca esqueceu a língua pátria, tendo regressado na idade de já saber que queria ser escritor e por isso utilizava aquela mesa do Café Martinho para ali produzir o que lhe saia da imaginação, tendo assistido apenas à edição de um livro, pois toda a sua obra só saiu a lume numa altura em que já cá não estava para tomar nota de que, afinal, tinha admiradores, esse Fernando Pessoa levou tempo a merecer a honra de uma homenagem póstuma. E não me refiro a qualquer condecoração, que essas são destinadas aos que se movimentam por aí e se preocupam em dar nas vistas.
Fico-me por aqui. E volto ao início deste blogue.
Vivemos num País em que os que valem são os que circulam por aí exibindo a sua mediocridade, mas tendo a habilidade de tirar partido dela com atitudes que, na maior parte das vezes, não deviam passar da soleira das portas das casas onde vivem. Não. Não vou referir-me aos centenas de milhar de portugueses que já sentiram sobre os ombros as condecorações que foram concedidas por quem está autorizado a prestar essas honras. Isso é lá com eles.
Mas não retiro uma letra ao preâmbulo deste texto. Somos um povo que gostamos de fabricar ídolos. O que é pena é que nos andemos sempre a enganar nos visados.
Não valerá a pena perguntar: quantos fernandos pessoas ficaram pelo caminho e ainda andarão por aí sem que ninguém dê por eles e até porque os próprios também não se consideram capazes de ser merecedores de qualquer distinção? O excesso de modéstia tem o seu preço!

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