domingo, 29 de agosto de 2010

BENGALA


DETESTO QUANDO alguém que me encontre, na rua ou em qualquer outro sítio, não me vendo já há certo tempo me largue: “estás com óptimo aspecto!” Fico deveras entristecido.
É que aos novos, esta exclamação que pretende ser de elogio, não tem cabimento que lhes seja dirigida, pois o lógico é que estejam sempre com um bom ar jovial e de acordo com a sua idade.
Logo, essa expressão do se estar com bom aspecto o que é que quer dizer? Cabalmente, que nem parece a idade avançada que se tem. Que causamos a surpresa de não surgirmos caducos, carregados de rugas, curvados pelo peso dos anos.
O pior é que, da próxima vez que voltarmos a encontrar a mesma pessoa que antes evidenciou tanto espanto pelo nosso ar sacudido de muita idade, a diferença se notará em seguida. Pois tudo decorrerá com a naturalidade de quem tomou conhecimento de que lá virá o ar acabrunhado de quem já mostra exteriormente o peso dos anos.
E quando a bengala passa a constituir uma demonstração de necessidade de apoio, situação que só é necessário experimentar um dia para convencer como é útil tal instrumento, então o espanto dos outros, até dos vizinhos, provoca uma chamada à realidade de que o andar, sobretudo nas ruas de Lisboa que primam pelo ondulado das suas calçadas, ditas à portuguesa, representa uma chamada de atenção de que o que sucedeu aos outros também acabou por bater à nossa porta.
O tempo de vida provoca mudanças. E até apetecia regressar ao século XIX, na altura em que os cavalheiros circulavam pelo Chiado ostentando as suas bengalas de punho de prata, sinal não de velhice mas de situação confortável na vida.
Que bem que ficava o Eça com o seu porte de gentil-homem, segurando uma bela bengala que, obviamente, o caixeiro da esquina não tinha o direito de usar!...

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