terça-feira, 25 de maio de 2010

SOCRATIANOS


CHEGÁMOS a um ponto em que, já sem nenhum tipo de cerimónias, acusamos, por tudo e por nada, José Sócrates de estar a ser o pior político de todos os tempos. Tudo que corre mal no nosso País, sem muitas excepções – atrevo-me a dizer, sem andar muito longe da verdade -, faz com que a maioria dos portugueses logo atira a flecha contra o engenheiro, pois tem de ser ele o autor dos erros, das desculpas não apresentadas, das faltas à responsabilidade que devia, sempre ser aplicadas a alguém. Não se safa dessa o pobre homem!..
E, quanto a esta afirmação, não escondo a minha dúvida, de entre as milhentas que assaltam o meu pensamento, se realmente, nós, portugueses, nos conhecemos verdadeiramente ou se alguma vez nos preocupamos conscientemente em fazer um exame, a cada passo em que somos forçados a analisar os nossos actos, para podermos chegar à conclusão de que o passo dado foi o mais correcto. E, tenho de confessá-lo, sinto-me muito mais inclinado para concluir que a nossa propensão não é essa de nos vermos correctamente ao espelho e de ver nele reflectida a imagem dos nossos procedimentos.
Em muitas ocasiões da minha vida e, particularmente, da minha profissão, tendo sido forçado a ouvir e transcrever o que me afirmavam inúmeros entrevistados, e não pude deixar de constatar que um enorme número de compatriotas, especialmente aqueles que exercem funções de alguma responsabilidade, não dão mostras de estar dispostos a reconhecer os seus erros e mesmo quando são apontados por alguma deficiência de que os cidadãos se queixam, encontram sempre razões para se desvincular dos eventuais erros e, na maioria dos casos, “passam a bola” para um parceiro mais próximo. Não tem forçosamente, por se ocupar o cargo de primeiro-ministro, de se arcar com todas as culpas do que ocorre de errado em Portugal. É verdade que é nessas funções que cabe efectuar as mudanças dos tais responsáveis, mudando-os de lugar ou simplesmente dispensando-os de continuarem a exercer funções públicas. Temos de admitir que, se essa tarefa lhe coubesse, na largueza de acontecimentos errados que se praticam por cá, o chefe do Executivo não teria tempo para fazer mais nada e, no caso do actual, não poderia fazer os seus exercícios diários de corrida e de estar presente em todas as cerimónias de inauguração que constituem um “vício” que, de modo nenhum, dispensa.
Mas, atendendo ao assunto propriamente dito, todos aqueles funcionários públicos nacionais que têm a seu cargo funções que são analisadas por todos os cidadãos, merecendo a crítica e a indignação dos que andam atentos ao que se passa no nosso País, os inúmeros disparates com que se depara não são praticados propriamente por José Sócrates. Dou apenas um exemplo, entre milhentos, de quem, nas estradas portuguesas, depara com os sinais identificativos de direcções e de nomes de povoações, se interroga sobre se será o próprio primeiro-ministro quem, em vez de colocar tais informações a pelo menos 100 metros antes da mudança de condução, os fixa já sobre o local de viragem, é evidente que não chega tão longe e antes acusa o funcionário de uma instituição pública que não executa bem o seu trabalho. Só que não é um caso, são inúmeros. E, já agora que ando pelas estradas e ruas, também me indigno contra os outros “engenheiros” dos diferentes municípios, mas sobretudo os de Lisboa, que têm a seu cargo a manutenção condizente dos semáforos da capital – por exemplo na rua Ferreira Borges, entre muitas outras – e que, muito bem sentadinhos nos seus gabinetes, o que os preocupa apenas é o recebimento dos seus salários e o chegar o mais tarde possível ao seu “trabalho”. E venham lá desmentir-me esses fulanos. Isto, para não referir as obras particulares em muitos prédios de Lisboa, que se prolongam por imensos meses e até anos, sem se verificarem alterações, o que demonstra claramente como funcionam os serviços respectivos onde, digo eu, actuam inúmeros “sócrates” que, se actuassem nas funções do verdadeiro, bem nos poderíamos queixar quanto ao seu procedimento.
E é igualmente nas mais variadas repartições públicas, nos próprios ministérios, e mesmo nas Juntas de Freguesia que nos estão cerca, que deparamos, a cada passo, com funcionários, tanto de baixa categoria como os seus chefes, que ali se encontram somente para ir esperando pelo dia da reforma, por mais longínqua que ela esteja (e, na actualidade, nem já representam qualquer garantia da sua manutenção). Lá serem responsáveis, assumirem as suas obrigações, terem consciência dos seus próprios actos e entenderem que o País que é o de todos nós não pode igualar os outros mais adiantados se, cada um não pensar e estudar a fundo antes de actuar e de deixar sair pela boca fora o que lhe vem à cabeça, ter esse cuidado é coisa que não está nos nossos costumes. Não somos diferentes do Homem em causa.
E, dito isto, não retiro da crítica um enorme número dos chamados “trabalhadores” privados portugueses que, atirando-se contra o actual primeiro-ministro por este ser tão mau governante, no fundo o do que eles fazem parte é de um clube que, não estando oficialmente constituído, se poderá chamar de “Clube dos Socratianos”, pois todos se consideram como sendo os possuidores exclusivos das suas razões, os que falam de dedo levantado e que, mesmo actuando mal em relação à sua família, consideram sempre que as dos outros se encontram em piores condições de atenção do que a sua.
Um Sócrates não podia sair do vazio. Veio dos dez milhões que fazem parte da nossa portugalidade. É um deles. Com os mesmos defeitos e com algumas virtudes das que também temos. É um convencido. Um dos que lhe saem sempre os cálculos errados. Que nunca cumpre as datas e os orçamentos. Que tem sempre uma desculpa para os resultados não serem os que previa, pois que as circunstâncias é que mudaram de repente. Que, como os alunos, só estuda mesmo em cima dos exames. E cola com cuspo o que está nas sebentas.
Eu disse sebentas? Isso era antes. Agora, nem isso. O “logo se vê” é que está na moda. E os resultados no nosso País, estão aí para o demonstrar.
Só falta mudarmos de nome. Em lugar de portugueses, o que temos de passar a chamarmo-nos é: socratianos.

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