segunda-feira, 17 de maio de 2010

O PAÍS DO POUCOCHINHO



NUNCA FOMOS, não somos e não sei se algum dia conseguiremos ser uma Nação de grandezas. É, como se costuma dizer, a nossa sina. Nascemos com este tamanho e, embora tivéssemos ampliado, graças à valentia de uma dúzia de antigos compatriotas, o espaço que considerámos nosso, isso foi sempre longe, o que não deu a oportunidade de alargar o passo para o que estava ao redor. Os nossos vizinhos castelhanos, por mais de uma vez tentaram comungar do soberbo espaço marítimo do nosso lado ocidental que nós tão mal aproveitamos, mas não o conseguiram concretizar e tiveram de se consolar com o que lhes é proporcionado na Galiza.
Assim, pois, encaixados neste extremo europeu que outros países tanto gostariam de possuir, insatisfeitos por nos encontrarmos reduzidos ao que nos foi historicamente concedido, embora tivéssemos sido um dos primeiros países formalmente constituídos, nunca alargámos o espaço que conseguimos arrancar dos mouros, já lá vão uns tantos séculos, pelo que fomos forçados a fazer, honra nos seja, com que as nossas naus partissem para atravessar oceanos desconhecidos, permitindo que enviássemos gentes nossas para as ilhas mais perto que ainda se mantêm nacionais, e depois para as áfricas, as índias e os brasis, para além de outras zonas, como o Japão, uma delas entre muitas, onde fomos os primeiros ocidentais a tomar contacto, aqueles locais descobertos que, com o decorrer dos tempos, acabaram por criar as suas próprias identidades e estabelecer soberanias, não que sem antes, umas tantas tenham sido ocupadas pelos espertos ingleses e holandeses que de lá extirparam, o que puderam.
Menos mal que, no mínimo, numa parte desses territórios, lá conseguimos instalar a nossa língua que, mesmo com a mistura de pronúncias locais, ainda se vai conservando razoavelmente. Também bastantes dos nossos hábitos foram aproveitados pelos naturais de cada zona. A gastronomia lusitana, por exemplo, conseguiu conquistar o paladar dos nativos.
E cá ficámos nós na Terra dos poucochinhos. Tudo sem grandes dimensões, porque conformamo-nos com aquilo que somos, embora sempre tenhamos mantido o desejo de atingir patamares mais altos, mas que as circunstâncias não nos proporcionaram.
E a culpa terá sido nossa, talvez porque a situação geográfica que nos coube na ponta oeste da Europa não deixou que conseguíssemos saltar os Pirinéus, que parece terem sido ali colocados de propósito para desanimar aqueles que tendo, épocas antes, conseguido atravessar os oceanos misteriosos, por terra deparámos sempre com a dificuldade de fazer passar os nossos produtos para lá da Península Ibérica.
Para além disso, ao longo da existência na sucessão de monarcas que se contentavam em dominar um pequeno País e em ir colhendo notícias de súbditos espalhados pelos ultramares, os quais nenhum se interessou em visitar, o que também não era fácil dada as distâncias, por aqui nos fomos mantendo, com a costa dedicada aos aproveitamentos possíveis do mar e o interior entregue a uma população que não mostrava ambição de ser mais evoluída, condição essa que, ao fim e ao cabo, também não era muito do conhecimento de um povo que se encontrava agarrado à enxada e com isso se satisfazia. Mesmo rodeados abundantemente de mar, uma grande percentagem de cidadãos nunca chegou a contemplá-lo, pois os interiores bastavam para preencher as suas imaginações.
Chegada que foi a República, desentendimentos que provocaram o recurso extremo de conceder o poder um homem, Salazar, também ele vindo do interior e ignorante do que era o mundo que nos envolvia, pelo que foi forçado a instalar um regime de força que, por sinal, lhe serviu para desejar que os portugueses soubessem relativamente pouco para não serem assaltados por desejos de melhoria de vida, assim nos arrastámos com os poucochinhos que eram distribuídos com parcimónia, tudo para ir mantendo um Portugal que não aspirava por algo melhor e os que conseguiam esse sonho, o único que lhes bastou foi agarrar as trouxas e passar “a salto” para o desconhecido, com excepção dos que, com “carta de chamada”, lá conseguiam atravessar o Atlântico e iniciar nova vida em terras de Vera Cruz.
Mas o País do Poucochinho cá ia ficando, conseguindo, mesmo assim, que algumas figuras, seguindo o exemplo de Luís de Camões, conhecedor do que era o Oriente, e, mais tarde, impulsionados por um génio que também ele tinha vindo de terras distantes, Fernando Pessoa, fossem enriquecendo a nossa limitada literatura e uma certa arte pictórica que, saltando do normal e corrente, também foi arrancada de Paris, criando o Manuelino, tudo isso deixou ainda uma demonstração de que os salientes são capazes de saltar do anonimato, mesmo quando o ambiente que os rodeia é de pobreza de todas as índoles.
Amargurados ao longo dos anos com o que era dado a conhecer por cá, despedidos que fomos da Índia e sofrendo as consequência de uma guerra africana, chegada que foi a revolta de uns tantos militares, insatisfeitos com as condições profissionais em que se movimentavam no pesadelo africano,, não havia que esperar outra coisa que não a queda de uma Ditadura que, perante a evolução democrática que se notava na Europa, não teria, mesmo sem o 25 de Abril, possibilidades de subsistir. E assim, também cá arrimou, nos primeiros tempos, uma amostra de Liberdade, que, face a um poucochinho, que não teve a largueza de ideias que era de esperar pelos mais optimistas, especialmente por aqueles que não estavam muito ao corrente do que é a ambição do ser humano e do que ele é capaz para tirar partido das circunstâncias que surgem, sobretudo no nosso caso em que o “apanhar o comboio em andamento” desse que foram outros a pôr a máquina a trabalhar, se trata de uma característica bem portuguesa, fomos suportando o que tinha sido instalado ingenuamente. Talvez nem seja só por cá que tal aconteça, que a esperteza do Homem, seja onde for que ele se encontre, faz com que os autores de proezas históricas nem sempre sejam eles a tirar proveito dos seus actos.
Para resumir todo este historial, basta que contemplemos a situação em que se encontra o nosso País neste momento. Mais uma vez não conseguimos sair do poucochinho a que estamos condenados, do fado que nos foi deixado pelos mouros que expulsámos desta Terra. De Democracia só uma pequena dose fomos capazes de absorver. Não porque os políticos que atingiram o poder ignorassem completamente os passos que deviam ser dados, mas, porque as conveniências impostas pelos interesses pessoais de alguns e que procuraram salvaguardar, e pelas vias sectárias da política que uns tantos quiseram implantar, importadas de zonas longínquas, por isso mas também porque os cidadãos que temos – e de onde saem os governantes – não conseguem entender este princípio tão fundamental de que a nossa Liberdade só termina quando briga com a Liberdade dos outros, devido a tudo não foi com inteira destreza que se implantou o regime que era esperado por muitos. E, até hoje, continuamos nesta luta interior de cada português para aplicar na prática o regime que, como disse Churchill, é o menos mau de todos os existentes.
E para termos consciência do estado em que estamos neste ano de 2010, do grau de maturidade que conseguimos alcançar, basta determo-nos a observar as auscultações feitas aos habitantes de Portugal e
mostradas sem reservas, seja quando transmitem desafios de futebol ou noutra qualquer ocasião, em que as perguntas dos jornalistas de rua e as respostas dos inquiridos nos deixam numa profunda amargura, e dessa forma tiramos todas as dúvidas no que respeita ao diminuto tamanho intelectual deste Povo. De todos nós. Não nos deixando margem para ficarmos surpreendidos com o atraso em que vivemos, se fizermos a comparação com outras populações que deveriam servir de bitola às nossas aspirações.
E assim vivemos com Governos e com cidadãos que só entendem um poucochinho de Democracia, isto é, quando ela se adapta a servir os nossos interesses pessoais, incluindo os políticos, e consideramos inimigos todos os que não comungam das nossas ideias e expressam opiniões diferentes das que nós mantemos.
E ainda acrescento um outro aspecto que serve para fortalecer a má impressão que não consigo afastar do meu pensamento: tive a paciência de assistir à maior parte dos interrogatórios que a Comissão de Inquérito, formada por alguns deputados do Parlamento, tem efectuou para tentar apurar o caso da PT e do canal de televisão TVI; pois a qualidade das perguntas efectuadas, o comportamento daquelas figuras públicas que deixaram a impressão que a única coisa que lhes interessa é surgir perante as câmaras, tal postura de uns e de outros é indicativa da dimensão das cabeças menores que fazem parte deste poucochinho que nos abarca a todos. E quem não dá mostras de uma grande tristeza face a esta conclusão é porque se conforma com a realidade.
A questão está agora em saber se conseguimos todos, dentro da nossa pequenez, ombrear com o mundo que, em grande parte, lá se vai desenvolvendo, muito embora também as controvérsias contribuam para que se apresente muito difícil chegar a um entendimento que tem de ser o essencial para que, por exemplo o que ocorre na chamada União Europeia, não venha a constituir um descalabro e um autêntico salve-se quem puder, ou se, pelo contrário, somos capazes de tudo para fazer para ultrapassar tal situação. Se assim não for, então é porque não somos dó nós os “poucochinhos”. É, ao fim e ao cabo, uma característica de todos. Temos, por isso, companhia.
Admito, no entanto, que perante as enormes dificuldades em mudarmos a nossa postura, haja quem prefira que sejamos poucochinhos, mas “porreiros”, em lugar de vastos e maldosos.
Ao fim deste longo texto, concluo que nem sei o que é, finalmente, o ideal. Mas olhem, dei largas ao meu desconsolo e aqui me fico, também eu poucochinho, na minha ânsia de querer ser maior.

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