domingo, 16 de maio de 2010

FADO EMBALA-NOS


A NOTICIA da morte de Saldanha Sanches provocou-me verdadeiro entristecimento. Embora soubesse da sua enfermidade, a que não perdoa, por o ter ouvido ainda há dias e ter lido o seu último artigo publicado, admitia que ainda o teríamos por cá um certo tempo alargado. Acompanhei todo o seu percurso, desde a época de uma extrema-esquerda que se encontrava na moda e ultimamente, em que os seus conhecimentos fiscalistas esclareciam muitas situações que têm andado confusas, não era ouvido convenientemente pelos “sábios” do actual Governo. E era pena. Mas, ao fim e ao cabo, com a sua partida, no mínimo foi poupado a ter de assistir ao descalabro que aguarda teimosamente o nosso próximo futuro. Saldanha Sanches foi um daqueles que não apanharam o comboio da Revolução, como a imensidão de oportunistas que temos suportado por cá, pois deu o corpo ao manifesto e conheceu as grades de Caxias do antes 25 de Abril. Vou lembrá-lo muitas vezes.


“CONHEÇO O POVO português e sei que está disposto a aceitar os esforços”. Uma frase destas e tanta certeza só poderia ter saído de uma boca. A de José Sócrates, o tal que não tem dúvidas, que sabe tudo, que só dispõe de certezas.
Isto foi o que o primeiro-ministro, que ainda conservam, largou ontem e que as televisões reproduziram. Acrescentando ainda um “julgo que todos (os portugueses) concordarão comigo”.
E então, com este 1% crescido em cadeia no Produto Interno Bruto da economia portuguesa, no primeiro trimestre deste ano face aos três últimos meses de 2009, o responsável principal pelo Executivo inchou ainda mais do que é seu hábito e terá ficado convencido que a recuperação total está garantida. Oxalá tenha razão, mas o tal povo português não o acompanha nesse sonho. Sobretudo quando, na mesma altura da boa notícia, saíram as medidas tomadas sobre os pesados aumentos dos impostos a partir de 1 de Julho e das dificuldades que foram estabelecidas, por imposição de Bruxelas – que não brinca nestas coisas -, o que obrigou também Pedro Passos Coelho, dentro do acordo que está estabelecido e que durará enquanto Sócrates se aguentar com um mínimo de compostura, a aceitar os sacrifícios anunciados.
Não vou aqui debruçar-me sobre cada um dos impostos que foram objecto de mexida para pior, porque, como tenho aqui repetido à exaustão neste blogue, não há que esperar por melhoras na vida apertada que os cidadãos do nosso País têm de suportar. Tenho sido até acusado de excessivo pessimismo, pois ainda andam por aí muitos compatriotas que sustentam a esperança de que conseguiremos sair do beco em que em nos meteram Governos, o actual e já anteriores, que não foram capazes de recomendar e de, sobretudo, dar o exemplo, de que se impunha uma economia de gastos e que as facilidades que os bancos – grandes culpados da crise – permitiram do esbanjar de possibilidades que, afinal não existiam e que acabaram por causar os endividamentos impossíveis de liquidar e que, como se vê, deram cabo de uma construção civil excessiva, pois ocasionou a compra desmedida de casas, carros, bens superficiais e até o gozo de férias, que, passado o período de rosas ilusórias, obrigaram e obrigam a que não houvesse e continue a não haver forma de satisfazer os compromissos assumidos.
Foram vários os avisos, mais susceptíveis de serem ouvidos do que os meus, para que os governantes cortassem, de cima abaixo, nas despesas sumptuosas. Que adiassem as obras que não constituíam uma primeira necessidade, que evitassem satisfazer caprichos de personalidades que, por serem grandes apoiantes dos “patrões”, obtiveram benesses escandalosas e até criadoras de ambientes de revolta que, nas circunstâncias existentes, são sempre altamente perigosas. Porque as revoluções populares começam assim.
Gastar mais de 18 mil milhões de euros por ano em salários dos funcionários públicos, quase 6 mil milhões em juros dos empréstimos que o Estado requer, mais de dois mil milhões em subsídios de desemprego e cerce de 4.500 milhões em investimentos públicos, isto num total de 81 mil milhões de euros com toda a despesa pública, suportar este esforço sem se encarar, com toda capacidade e competência de gestão, as formas de diminuir tais gastos, mesmo que tendo em conta o sector social que não pode ser posto de lado, tudo isto é bem a demonstração do que, quem vier a substituir o Governo de Sócrates, logo que as circunstâncias políticas o permitam, recebe um presente bem envenenado e, com as desculpas que todos os governantes dão cada vez que tomam conta de um lugar público, apontam para os erros dos antecessores e o povo, sempre esse, não terá outra alternativa que não seja aguentar ouvir os choros a pé firme e queixar-se, sempre a queixar-se, criando novas letras do fado que é a canção que nos embala, pelo menos na área de Lisboa.

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