sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

COMPARAR - NEM A BRINCAR!



QUALQUER COMPARAÇÃO, ainda que remota, constitui uma afronta a todos aqueles muito milhares que foram e estão ainda a ser vítimas da catástrofe do Haiti. Tamanho sofrimento, provavelmente só semelhante ao que ocorreu em Lisboa, em 1755, sendo que, nessa altura, a ajuda de países estrangeiros não terá sido tão prestimosa e positiva como a que se tem verificado actualmente na ilha em questão, essa enorme desgraça não pode ser posta em confronto com outra mesmo semelhante, até porque a evolução tecnológica que se desfruta hoje não existia no século XVIII. Por isso, faço questão de deixar bem claro que não é intenção deste texto estabelecer qualquer tipo de quadro comparativo na presente situação em que vivemos.
No entanto, e levando em conta as reuniões que já tiveram lugar por cá, com o objectivo de tentar antever o que se passaria no nosso território se um terramoto semelhante ocorresse nesta capital, como a imaginação é pródiga vale a pena, não o elaborarmos um quadro de como se apresentaria Lisboa se se repetisse o que o tormentoso desastre da época do Marquês de Pombal provocou, mas sim falarmos da nossa cidade tal como ela se apresenta hoje. E, salvaguardadas as respectivas distâncias no que respeita ao descalabro que, felizmente, não aconteceu por cá, sempre poderemos aproveitar a ocasião para nos concentrarmos naquilo a que se assiste no dia-a-dia lisboeta, que é o que vemos e de que não nos é dada esperança para descortinamos forma de melhorar dentro de um período aceitável.
Não se trata, claro, de uma brincadeira, porque se assim fosse não teria outra classificação que não de muito mau gosto. Mas apenas de um exercício que poderá ter alguma utilidade, chamando a atenção para algo que, pelo menos com o que faço nos meus variados escritos, considero como tratando-se de um desmazelo progressivo que os múltiplos presidentes da Edilidade lisboeta não têm dado mostras de conseguir ultrapassar. Claro que não haverá alguém que pense que um terramoto de grau 7 seria a maneira mais rápida de fazer com que os milhares de casas que se encontram por cá em absoluto estado de degradação – como todos os dias as contemplamos e que as televisões também não escondem -, as ruas aos altos e baixo, quer nos passeios quer nas vidas de rodagem atormentam os que têm de as utilizar, os múltiplos buracos que as viaturas enfrentam, mas que também nos passeios deixam os peões enfurecidos -, tudo isso viesse a ser alvo obrigatório de obras. Não é admissível chegar tão longe nos desejos dos habitantes alfacinhas. Mas que não podemos prolongar indefinidamente uma actuação que é indiscutivelmente obrigatória, agora, claro, com a desculpa da falta de meios que a crise impõe, mas que, mesmo assim, deveria ser objecto de uma escala de prioridades, dando mostras de que não se está paralisado de todo, tal é o desafio que se tem vindo a prolongar a todos os que, vivendo e trabalhando na capital, estão condenados a ver a degradação progressiva de uma cidade que, com as suas sete colinas e o Tejo a seus pés, bem merece um tratamento particular de Rainha portuguesa.
Diz-se agora que a cidade de Port-au-Prince, a capital do Haiti, ao ter de ser totalmente recuperada, só assim poderá vir a apresentar um aspecto que nunca consegui possuir. De outra maneira, sem o revoltante acidente que a vitimou, permaneceria eternamente como sempre esteve. Ou seja, não habitável.
Repito, por isso. Não se trata de estabelecer qualquer grau comparativo. Mas que, em 1755, se não existisse um Marquês de Pombal que deitou as mãos à obra e que transformou uma Lisboa feia numa cidade que nos orgulhava, essa realidade não é possível desmentir. E a partir daí, que ponha cada um de nós a imaginação a trabalhar.

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