segunda-feira, 26 de outubro de 2009

SARAMAGO OUTRA VEZ...



DEPOIS do que escrevi ontem sobre esta personagem fiquei convencido de que não voltaria ao assunto, pelo menos tão cedo. Mas, afinal, tendo sido atraído pela leitura de mais umas páginas do seu livro “Caim” e dado que as entrevistas que o Prémio Nobel tem concedido largamente a tudo que são jornais, revistas e televisões não dão sossego e desafiam o jornalista que reside em mim, não me conformo com o pequeno resumo que apresentei no blogue passado e entendo que o assunto em si merece mais alguma reflexão e um certo desabafo, seja de aplauso seja de discordância em relação à forma como o livro foi escrito. Porque, no capítulo que tem sido objecto de tanta discussão, ou seja no que se refere ao ser a favor ou contra as apreciações saramaguianas em relação à Bíblia, o que eu sou é fervorosamente seguidor da liberdade de pensamento e de considerar que cada um tem o direito de expressar as suas opiniões, deixando aos outros a possibilidade de evidenciarem o seu ponto de vista, pois que é dessa forma que se confrontam as diferentes ideias e é daí que, com bom senso, boa educação e respeito por aquilo que os demais pensam, se constrói uma vivência respeitosa. Ninguém pode ser obrigado a seguir os princípios que sejam propagandeados.
No que me diz respeito, eu, que tive uma infância muito ligada às práticas seguidas pela Igreja Católica, tendo cumprido todos os cânones que o catolicismo aplica à juventude, incluindo a missão de ter sido várias vezes acólito de missas, ainda em latim, por acaso proferidas pelo venerando Padre Cruz, não me posso considerar ignorante das regras que a referida religião segue. E, no capítulo familiar, o ambiente que me rodeia é o de uma veneração convencida dos preceitos impostos por Roma.
Mas, a vida levou-me a reflectir profundamente sobre tudo o que o Homem tem procurado impor considerando-se mensageiro de forças superiores, e, como não poso evitar a prática do julgamento, para mal dos meus pecados, nem sempre alinho nas definições que uns tantos pregadores entendem que devem espalhar, seja porque obedecem honestamente ao que lhes dita o seu íntimo ou porque se aproveitam das circunstâncias e entendem que podem tirar partido da sua habilidade em convencer as massas. Porque não é a primeira vez que se descobre que uns tantos inventores de religiões acumulam fortunas com as propagações de milagres que os ingénuos aceitam sem discutir.
Mas não sou eu quem vai aqui deixar expresso quem, de toda a História de milhares de anos das múltiplas religiões que se propagaram pelo mundo e ainda hoje vão aparecendo, cumpriu meticulosamente com as regras da verdade e da decência. Não me sinto competente para tanto.
O livro Caim, quanto a mim, peca por não cumprir, aliás como todos os anteriores de Saramago (embora se venha a verificar, de obra em obra, uma melhoria no cumprimento de regras), com os princípios de uma escrita escorreita e que segue as normas de pontuação que servem para ajudar os leitores na sua leitura. E, no que diz respeito a ter-lhe sido atribuído, tempos atrás, o Prémio Nobel, temos de levar em conta que os críticos que seleccionam essa escolha não lêem os originais, mas sim traduções. E, como dizem os italianos, “traduttore, tradittore”, essa mudança pode representar rectificação que talvez tenha beneficiado a apreciação. Para mim não há outra explicação, embora tenha ficado satisfeito com a circunstância de um escritor português ter sido distinguido com tão importante honraria.
Mas volto ao mesmo: no capítulo religioso, as considerações que Saramago faz quanto às ocorrências passadas no Éden e as fantasiosas conversas de Deus com Adão e Eva e até às suas maneiras imperiosas de se dirigir a terceiros (e eu coloco estes e outros nomes em maiúscula, o que ele não faz), não se deve interpretar isso senão como uma fantasia literária, pois ir além dessa manifestação é querer entrar na discussão que só pode beneficiar o autor do livro que, com os seus 86 anos, se vangloria por dentro por ter conseguido criar tanta celeuma em volta do que escreveu.
Nesse aspecto, temos de concordar que o escritor tem olho para a promoção!…

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