sábado, 10 de outubro de 2009

O QUE EU CÁ DEIXO

Como hoje, é dia de reflexão, no que respeita às Eleições Autárquicas, entendo que não deveria referir-me a qualquer assunto que se aproximasse, por mais longe que fosse, do acto que irá demonstrar quem o povo português vai escolher para presidir a cada Câmara Municipal e como ficarão definidas as Assembleias Municipais e as Juntas de Freguesia. Por isso, o texto que se segue é de tipo bastante pessoal. Quando terminar toda esta azáfama de eleições e de dúvidas quanto ao que vai ocorrer no nosso País depois do novo Governo estar formado, voltarei, se tiver apetite para tanto, a mostrar os meus pensamentos no que se refere ao mundo em que vivemos.

Não sei se isso só se passará com aqueles que, sendo possuidores de avultadas fortunas, têm a preocupação obsessiva de, quando partirem deste mundo, deixarem os seus fartos haveres entregues a quem lhes merecerá o suficiente apreço, confiança ou o que seja e até muito mais do que isso, em escala progressiva que poderá ir até ao enorme amor.
Os testamentos servem para isso, para que fique tranquilo o dono dos haveres de que, após o seu falecimento, alguém cuidará de dispor do espólio que foi construído ao longo de anos, muitas vezes com grande sacrifício, e que o fim de uma existência mande que mude de mãos. E, se a importância, sobretudo material, for de molde a constituir o desejo de muitos pretendentes, não é raro que se instale uma disputa e o inconformismo daqueles que se julgam injustiçados pela decisão do defunto.
Esta é a vulgaridade do que se passa por esse mundo fora. Agora, quando aquilo que fica para distribuir pelos familiares do defunto não mostra ter valor que justifique a vontade de ficar na posse dos que estiveram presentes na hora do falecimento, aí a preocupação primeira é a de escolher alguma coisa que possa ainda servir para uso pessoal ou que justifique colocar à venda aos ferros-velhos que ainda existam nos arredores.
Quantas vezes aconteceu que, tratando-se de obras executadas pelo parente que não gozava de grande fama de ser artista, andaram as peças que estavam guardada de mão em mão e só passados vários anos é que, por casualidade, alguém descobre que, na verdade, o defunto era possuído de um génio que passou despercebido durante todo o tempo da sua vida? E é nessa altura que se iniciam as disputas pela posse dos restos que ainda estejam conservados em águas furtadas e armazéns e conseguiram resistir à fúria de os despejar em diferentes montes de lixo.
Fernando Pessoa, como mestre das letras, foi um desses génios que, só passados anos depois da sua morte, em 1935, ainda que uns poucos intelectuais portugueses já tivessem consciência do seu valor excepcional, obteve o reconhecimento geral da sua importância passado muito tempo e os editores, então esses, só tarde entenderam o que tinham desprezado em vida do grande prosador, poeta e pensador. A sua família guardava ainda, espalhados por diferentes membros, textos originais que, a pouco e pouco, foram aparecendo editados.
Agora é a minha vez de justificar o título deste desabafo do meu blogue: como consegui chegar à época dos computadores, ainda que contrariado fui forçado a aderir a esta nova tecnologia. E ainda bem que o fiz, depois de ter levado uma vida profissional a usar, na Imprensa, para começar, a caneta, seguida da máquina de escrever pesada e teimosa e depois a mesma, primeiro a portátil e depois a eléctrica, necessitando-se, nessas alturas, de grandes arquivos que serviam para se encherem de papeis e fotografias, tudo classificado, para guardar o que constituía material que podia ser necessário mais tarde.
Pois eu, que produzo diariamente, que persigo avidamente o talento, que insiste em fugir, agora, por conta própria, só faço o que me sai da imaginação, o que redijo em prosa e o que, com persistência, também dedico largamente à poesia, para além do trabalho que tenho com alguma pintura em acrílico, vou deixar tudo isso guardado no disco do meu computador. Pode-se meter num bolso e cabe facilmente no vidrão da minha rua. Só os quadros enchem as paredes da minha casa e esses serão olhados com outro espírito.
É este o meu testamento. Humilde como é o que fica.









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