quinta-feira, 1 de outubro de 2009

CINZAS

Em novo pensava que era outro o fim
E que longe estava
Todo o mal da Terra que fosse ruim
Que a si não chegava

Com pai e com mãe e uma irmã mais velha
Lá ia crescendo
Nessa altura ainda com grande guedelha
E no mundo crendo

E chegou o momento de ir para a escola
Credo, por sinal
Com papéis, mais papéis dentro da sacola
ERA natural

Passava em exames e ia seguindo
Sempre bem discreto
Que o tempo, por sinal, corria fugindo
Sem deixar afecto

Lá ia à Igreja rezar sem fervor
Que bem o mandavam
Fez tudo a preceito e Nosso Senhor
Sabia que erravam

E até em latim ajudou à missa
Tamanho enfado
Como era à força, grande injustiça
Enorme pecado

Estudando lá foi pela vida fora
Cumprindo a preceito
Não desperdiçando uma única hora
Levada com jeito

O mundo em guerra trazia cuidados
Morriam as gentes
E havia que optar por um dos dois lados
Por uma das frentes

Desde tenra idade era o social
Que o preocupava
Para acabar a fome nacional
Que então lavrava

Mas o trabalho impunha-se sem dó
Era um dever
E a enfrentar a vida fazia-o só
Sem tempo a perder

Passados momentos com pouca história
A ganhar balanço
A escrita e os estudos de boa memória
Não davam ripanço

Os anos e a vida foram-no formando
Numa vertical
Os acontecimentos foram ajudando
A ver o Graal

E lá foi vivendo baixos e altos
Escrevendo e lendo
Sem renegar vários sobressaltos
Que foi sofrendo

Ser contra o regime tinha o seu preço
Um custo pesado
Mas não se podia virar do avesso
O já instalado

Os jornais, enfim, eram o grande sonho
E estudar bem alto
Em simultâneo parecia medonho
Grande sobressalto

Tudo em conjunto lá ia levando
Forte correria
E a si próprio ia demonstrando
Podia, queria

E no jornalismo correu as escalas
Que bom p’ra aprender!
Não foram precisas quaisquer bengalas
P’ra saber crescer

Muito novo ainda era director
De uma revista
Como da Censura não tinha temor
Surgiu-lhe a pista

Chegou a altura de dar-lhes motivo
Actuavam, claro
Com a PIDE activa sempre no activo
Fez-lhe pagar caro

Ficha bem cheia lá nos seus arquivos
De outras andanças
Fê-lo dançar como a outros plumitivos
A contradança

E mais de uma vez passou p’los calabouços
Estava escrito
O que chamavam os solícitos moços
De grave

Abril chegou e quem tinha lutado
Contra o Estado
Por não ser possível estar conformado
Nem mesmo calado

Zangou-se com os revolucionários
De pacotilha
Foi criador e fundou dois semanários
E um foi cartilha

E a vida passa sem tempo a perder
Mais e mais veloz
Mesmo que não queira pôr-se a correr
Para o fim atroz

Esse o fim a que não escapa
Tudo que é deste mundo
Por mais que passe à socapa
Sem ter de ir muito ao fundo
No jazigo, cova ou fogo
T’arrenego oh enguiço
Não se diga que é um jogo
São cinzas, apenas isso
O começo e o fim da vida
No fundo é um passadiço
Sem volta, somente ida
Não passa de um compromisso






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