domingo, 29 de março de 2009

TER FÉ


Quem me dera ter tal fé
E crer naquilo que fosse
Mesmo no que não se vê
Crer no fel e crer no doce
Crer no Céu e no Inferno
Crer no depois de amanhã
Acreditar no eterno
Tê-lo como talismã
Ser dono d'uma esperança
Ao horóscopo dar crédito
Não deixar de ser criança
Sem pretender ser inédito !

Tenho falta desses creres
Pois não sei o que isso é
Nunca senti tais prazeres
De idolatrar, de ter fé
De pedir e ser ouvido
Por deuses, santos, beatos
De, no fundo, ter sentido
Que não serão uns ingratos

Aqueles que sem querer
Por mais esforços que façam
Mantêm o seu descrer
E vivem tempos que passam
Mesmo se lhes toca a sorte
E a vida lhes sorrir
Como nada, nem a morte
Os poderá corrigir
Esses, uns pobres coitados
Que, como eu, se fartaram
E nunca foram bafejados
Porque nunca acreditaram
Nem no após, nem no final
Dizem que é falso, isso sim,
Que o que é, de facto, um mal
É crer que nada tem fim

E quando tudo se finar
Se, afinal, há outra vida
E há outro caminhar
Por estrada indefinida
Que devem fazer então ?
Quem lhes poderá valer ?
Se não merecem perdão
Nem sabem a quem se ater.
Lá nos fundos do Inferno
Também não estranharão
Por mais que seja eterno
Esse lume em que arderão.

Isso porque cá na vida
Neste mundo tão ingrato
Onde falta peso, medida
Não passou d'um curto acto,
Se se sofreram agruras
Dissabores, ingratidões
Se foram tais as torturas
Os desgostos e empurrões
Qu' importa que, no final,
Haja outra via a seguir
Pois já conhecendo o mal
Tanto faz que o porvir
Venha a ser o mais dramático
Em que se possa cair.
Isto para se ser prático !

Mas os que cá neste mundo
Não têm razões de queixa
Que no fundo, lá no fundo
Não gostam que algo mexa
Esses serão uns bons crentes
E adoram divindades
Por isso são tão tementes
De um fim com atrocidades
Quererão que se prolongue
O que por cá disfrutaram
Se eternize e se alongue
Tudo aquilo que gozaram

Têm razão os coitados
É triste perder favores
Que gozaram aos bocados
Quer em moeda ou louvores
Só pensar que deixam tudo
Quando entrarem no caixão
Que à volta se queda mudo
E só lhes resta o perdão
Se é que há quem os desculpe
Dos erros que cá fizeram
Os admoeste ou os multe
Pelo amor que nunca deram
E se assim for, desgraçados,
Pouco serve arrepender
Estarão amaldiçoados
Não há forma de volver !


Fica assim, pois, a questão
Por fim haverá Além ?
Dizer sim ou dizer não
É verdade de ninguém
E a dúvida persiste
Terra não pára por tal
Dum lado há quem insiste
Que se vive em grande mal
Que é pecado ser descrente
E não aceitar o depois
Como o que tem ponto assente
No que só crê dois mais dois
Não tem de ser castigado
Não tem culpa de pensar
De querer esmiuçado
De não poder aceitar.
Os mistérios insondáveis
Que os homens ainda inventam
E que são tão contestáveis
Qu' aqueles, mesmo os que tentam,
Não conseguem enfronhar
Porque a razão não os deixa
Porque insistem em pensar
E sempre há razões de queixa

Em plena dúvida, então
Por que caminho vou eu ?
Se me fizeram cristão
Como poderia ser judeu
Ter Allah como profeta
Ou ser seguidor de Buda
Qualquer que fosse a meta
Não sei se teria ajuda
E por aqui concluo
Que morrerei sem saber
Se afinal eu usufruo
Do direito de não crer

Haja então o que houver
Sendo ou não um pecador
Que seja o que Alguém quiser
Que possa ser julgador
Pois se, enfim, houver um Deus
Que é um todo poderoso
Que ama mesmo os ateus
Terá de ser generoso
E os que buscam certezas
Esses mais razões terão
Para justificar as fraquezas
E merecer um perdão

Sem querer ser prognóstico
Nem poder vaticinar
Resta-me ser agnóstico
E com paciência esperar

Ou será, por mais que insista
Em luta mesmo comigo
Que acabo por ser deísta
Como recurso ou abrigo ?

Nesta ânsia de saber
Faça aquilo que fizer
Já não me chega entender
E seja o que Deus quiser !

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