quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

SALAZAR INVENTADO


Mas alguém pode acreditar que o programa televisivo que a SIC apresentou, com o título “o Outro lado de Salazar”, tem alguma coisa de histórico? É possível imaginar que aquele homem que, os que acompanharam mesmo de longe a sua actuação política, conheceram com uma imagem fechada, desinteressante seja qual for o ponto de vista sexual com que foi encarado, com um aspecto “apadrado” à antiga, tenha tido amores com o entusiasmo como o que foi demonstrado nas imagens?
A minha resposta é profundamente negativa. E não creio que a maioria dos que assistiram à exibição do filme sejam capazes de imaginar um Salazar conquistador e perito em funções sexuais, arrancando uns beijos com os beiços todos e a língua em funções eróticas, como aquelas que o realizador fez questão de pôr à mostra, em ambientes íntimos e com as roupas femininas próprias de um bacanal de gente experiente.
Um filme, uma peça de teatro, até um livro sem características biográficas pode dar-se ao luxo de puxar dos seus autores toda a imaginação que forem capazes de fazer sobressair do seu interior. Mas, quando se dão nomes às personagens que pretendem ser a reconstituição de factos ocorridos, nessa altura são os dados históricos, os que se conhecem ou aqueles que foram extraídos de documentação com o mínimo de credibilidade, nessa altura, por mais que apeteça transportar os biografados para campos completamente distantes e até ridículos do que se sabe que foi a vivência dos mesmos, não tem cabimento efectuar esse trabalho com base apenas no gozo que tal caricatura pode dar com actos que não têm forma de ser provados.
A mim, que sou do tempo e da vivência do ditador, não me ofende nada que seja transformado esse homem num conquistador arrebatado. Faz-me rir e só imagino o destrambelhado amante a descalçar as botas à beira da cama e a tirar as meias mal cheirosas e as ceroulas enquanto a parceira, seguramente mais evoluída sexualmente do que o envergonhado, indo à frente nessa acção de tirar a roupa, o contemplava apenas curiosa de saber como aquele homem duro de pensamento era capaz de demonstrar igual fortaleza herética.
Falou-se, de facto, na altura, de uma jornalista francesa que terá arrebatado os amores salazaristas. Também constou que o empedernido condutor de uma política de pleno poder não terá ficado indiferente a uma senhora da sociedade portuguesa que, por sinal, se destacou no acompanhamento dos movimentos militares em África. Mas, daí a poder-se concluir que o homem das botas encaminhasse essas personagens femininas para o recôndito do seu leito, ir tão longe requer um espírito inventivo que não me parece natural que viesse a constituir matéria para um filme e, acima de tudo, de um trabalho para exibição televisiva.
Só gostaria de cá estar daqui a cinquenta anos, para saber se, nessa altura, surgirá alguma película tentando reproduzir a vida íntima de Sócrates.

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