domingo, 15 de fevereiro de 2009

Á ESPERA DE INSPIRAÇÃO

Já há umas semanas que não pinto. Fechei a casinha exígua onde guardo os meus apetrechos de pintura e alguns quadros começados e postos de lado à espera que acabe por me sentir satisfeito com o trabalho feito ou à aguardar alterações e, cada vez que penso recomeçar, volto para a escrita. E o contrário também sucede.
Há períodos da vida que são assim. Deve suceder com toda a gente que tem problemas de apreço por aquilo que faz. Seja o que for.
Mas a mim, no caso da pintura, esta insatisfação ocorre-me sobretudo quando passo por uma exposição e tenho oportunidade de apreciar os quadros expostos. Devo confessar que, aqueles que se afastam da minha definição de pintura, não me provocam nenhuma espécie de reacção crítica. Prefiro considerar a minha capacidade de apreciação desfasada daquilo que outros tomam como arte. E isso não é discutível. Porém, quando deparo com o que para mim é genialidade, é boa técnica mas também grande sentido artístico de quem produziu a obra, quando se trata de uma pintura que me faz parar em frente dela, analisando-a sob diversos ângulos e extasiar-me de prazer, nessa altura é que me arrepio ao admitir que não sou capaz de fazer algo nem sequer parecido.
Porque, pôr cores na tela, prepará-las na paleta e aplicá-las com os pincéis, esse gesto mecânico tem pouco que saber. O difícil é fazer as misturas certas para encontrar os tons ideais e colocá-los no sítio correcto até a obra nascer.
Uma tela em branco não difere de uma folha de papel antes de estar escrita. Ao olhar para qualquer das duas, o pintor, o escritor, o poeta perguntam-se: E agora? E começa aí o problema. É, pelo menos, o que sucede comigo. E não serei excepção.
Quantas vezes, quer ao escrever quer ao pintar, não existe uma ideia definida do que vai sair. Mas é preciso dar os primeiros passos. E acontece que, a partir deles, surge alguma coisa que parece ter pernas para andar, que é como quem diz ser um início indefinido que dá abertura a algo que deve ser desenvolvido. Quando não, pára-se, recomeça-se, volta-se a interromper e se a imaginação não responde, o melhor é mesmo pôr de lado. Até ver.
Quando, mesmo depois de certo trabalho feito, a conclusão a que se chega é que não se vai lá por ali, o caminho da tela é cobri-la de tinta branca e as folhas de papel escritas vão para o caixote do lixo. Sem dó. Sem hesitações.
E na vida de cada um, mesmo não sendo escritores ou pintores, o que sucede? Quantas vezes pintamos na nossa cabeça alguém que conhecemos e fazemos dessa pessoa um ser aceitável, cumpridor, incapaz de praticar maldades graves. Depois, quando passamos a conhecê-la melhor, quando se torna companhia assídua, surpreende-nos a realidade com que deparamos, tudo ao contrário do que tínhamos antes imaginado. Um desconsolo!
Só que não podemos deitar essa pessoa para o lixo ou pintar por cima uma imagem de que passemos a apreciar. Não é papel, não é uma tela. E quantas vezes somos forçados a manter o relacionamento…
Por isso – e não só – cada vez amo mais as minhas folhas de papel em branco e as telas por serem usadas. Umas e outras fazem-me as vontades, reproduzem o que lhes ponho em cima. E se não ficam melhores, a culpa não é delas. É toda minha, só minha. Não sou capaz de fazer obra que se veja.


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