sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

CENSURA OUTRA VEZ?



Passados já tantos anos sobre aquilo a que eu assisti muitas vezes no tempo da outra senhora, ou seja ao espectáculo arrepiante de ver entrar nas editoras e livrarias uns fulanos, com caras sorumbáticas, que surgiam de rompante e se punham a atirar para um monte no chão as edições que traziam já o encargo de retirar da circulação, mais de três décadas decorridas e, com espanto de todos nós, constatamos que se repetiu esse gesto quando uns agentes da PSP, numa feira do livro em Braga, apreenderam exemplares de uma obra que tem o título “Pornocracia” e na capa reproduz um quadro de Courbet que, por sinal, mostra uma mulher nua em posição bem expressa das suas intimidades.
Seja como for e por menos interessante que possa ser a demonstração de uma capa de um livro, o que está em causa é a acção policial que não pode ficar apenas pela transcrição jornalística do acontecimento. O Ministério Público e a direcção nacional da Polícia têm obrigação de averiguar em profundidade de onde surgiram as instruções para que os agentes tivessem tomado aquela iniciativa, pois não é crível que tudo tivesse surgido por vontade individual de um ou mais polícias que se julgariam com autoridade bastante para actuar daquela forma. Vamos a ver o que surge como explicação. Se é que alguma vez aparecerá!
A propósito deste acontecimento vem-me à memória um episódio passado comigo, quando, em 1957, tendo fundado uma empresa denominada “Mercúrio, Agencia Jornalística e Editorial, Lda.”, me apareceu no local, em Lisboa, um funcionário da Censura, com uma ordem judicial para colocar selos nas instalações e encerrá-las, isso porque, por desconhecimento do notário, a escritura da sociedade ter sido feita e isso não podia acontecer sem antes existir uma autorização daquela maldita instituição, que tudo geria na área das publicações.
O curioso deste facto é que o representante da Censura que vinha com o encargo de fechar as instalações da empresa era, nem mais nem menos, o Luís Pacheco, o que, agora já desaparecido, se transformou mais tarde num autor literário com características particulares de enorme distanciamento das regras de vida tradicionais, sendo um contestatário mediático e oposto ao regime político vigente, bem diferente, portanto, do aprumado funcionário público da Censura, que tinha sido antes.
Mas isto é a vida e o Homem e as circunstâncias continuam a dar razão a Ortega y Gasset, pois que ninguém é dono absoluto de si mesmo e quantas vezes é forçado a fazer aquilo que odeia. No caso da Mercúrio, empresa que marcou uma época, até por ter sido a editora de uma série de livros de bolso, com saída mensal (a Censura não deixou que fosse classificada como revista) com esse título precisamente, publicação essa dedicada à difusão dos melhores contos mundiais, aí o Luís Pacheco mostrou uma grande abertura à solução do problema, tendo conseguido um período para não ser tomada de imediato a decisão drástica e definitiva.
Anos mais tarde, ao recordarmos este acontecimento, à mesa de um café no Rossio, ainda foi meu convidado num pequeno almoço, pois ele fez questão de recordar que ainda estava em jejum!
Coisas da minha vida profissional na área do jornalismo, as tais que bem me têm querido tentar para deixar em livro, mas eu só actuo na área da literatura com os textos que eu pretendo e não com as propostas de outros. Os editores que falem comigo!...

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