sexta-feira, 14 de novembro de 2008

FALAR


De repente, perdi a palavra
deixei de falar
fiquei mudo
nenhum som sai da minha boca
as mãos não chegam
para me expressar
só por escrito posso transmitir
o que me vai na alma
mas ninguém está disposto
a conversar comigo
e só a ler o que eu escrevo.

Eu oiço, mas não falo,
faço caretas
para mostrar se estou satisfeito
ou triste
se concordo ou discordo
mas não exponho os meus pontos de vista
não consigo manter um diálogo
para além do curto sim ou não
e o uso da mímica não chega
para ser expressivo.

Por isso, uso o papel
e a caneta
como sempre fiz, antes, quando falava
mas é como quem argumenta sozinho
sem se ouvir
sem ter uma ideia do tom que deve utilizar
sem perguntas
sem respostas
e só sim porque sim
ou o contrário

Não falar terá as suas vantagens
não aborrece o próximo
não lhe castiga os ouvidos
não corre o risco de dizer coisas inúteis
de falar por falar
do palrar demais
não tem de se arrepender do que disse
não tem de voltar atrás
com a palavra dada
não empenha a palavra de honra
só vale o que escreve
mas isso tem remédio
deita o papel para o lixo
não o mostra a ninguém.

Falar, falar…
falar barato
abrir a boca para dizer o que lhe vem à cabeça
até asneiras
quando mais valia ter ficado calado
que é o risco de quem não tem
tento na língua.

Por isso, desde que deixei de falar
passei a andar mais descansado
não tenho de me conter
para não dizer mais do que devia
falo comigo mesmo
sem som
e só funciona
o mesmo comando que antes
orientava as palavras:
o cérebro
e esse, de facto,
não se vê
nem se ouve.






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