domingo, 19 de outubro de 2008

GRATIDÃO



Já não é a primeira vez que os ex-combatentes das diferentes guerras de África, de triste e longa memória, dão mostras do seu descontentamento por nunca terem recebido do Estado a compensação pelos perigos que enfrentaram e, bastantes deles, pelas consequências penosas de que foram vítimas, umas mais graves e visíveis do que outras, mas todas merecedoras de uma atenção muito especial por parte daqueles que, mesmo não sendo desse tempo na vanguarda de um Governo, não podem nem devem fechar os olhos e fingir que nada se passou e que cada português se tem de aguentar com a sorte que lhe calhou em rifa, sobretudo porque essa ocasião teve lugar na época do salazarismo, quando a ordem era morrer pela Pátria e lutar até ao último homem. Que bonito defender esta filosofia sentado atrás de uma secretária, de botas calçadas e confortavelmente gozando do ar condicionado!...
Mas a verdade é que, nem naquele período do posso, quero e mando, nem hoje, passados mais de trinta e cinco anos sobre as matanças africanas, não houve ninguém num lugar saliente do Governo que tivesse dado mostras de querer solucionar aquela injustiça e, antes pelo contrário, no período que atravessamos, algumas regalias de que dispunham os ex-militares deficientes, até essas foram retiradas ou, pelo menos, reduzidas.
É sabido que o Estado está também debilitado de finanças e disso quem tem culpa são os homens que têm manejado os dinheiros públicos e que, apesar dos pesados impostos com que atormentam os cidadãos, mesmo assim não foram nem são capazes de utilizar o dinheiro com cabeça, com bom senso e, sobretudo seguindo prioridades rígidas, em vez de se dedicarem a gastar em fantasias, como as que estão anunciadas e que vão ser precisas, só e apenas, quando Portugal estiver em condições de despender fundos que lhe sobrem e não nesta ocasião em que nos encontramos numa situação parecida com a da falência.
Que sofram, pois, os antigos militares, os que deram o corpo ao manifesto e não tiveram a sorte de fazer como tantos outros, que deram o salto para França e para diferentes destinos.
Mas, já agora, sempre lhes deixo aqui a história de um acontecimento que eu, como jornalista, tive ocasião de presenciar e depois relatar (tendo sido cortada pela Censura, à primeira vez, mas que mais tarde sempre conseguiu sair no meu Jornal de então, “o País”: tendo sido convidado a visitar a Índia, pude ir a Goa e aí um residente confidenciou-me que havia uma velha capela, quase em ruínas, onde no seu interior eu deveria contemplar um espectáculo horroroso. Lá fui e, num espaço ínfimo numa cave do local, ao empurrar a porta empenada, deparei com oito caixões, todos com uma chapinha com um nome em cada uma e a indicação de soldado n.º tal e o respectivo nome bem português. Um dos caixões, todo desfeito, tinha deixado cair no chão as ossadas de um cadáver. Coisa horrível.
O que era aquilo? Pois nem mais nem menos que os restos mortais de militares mortos quando se deu a invasão de Goa pelas forças indianas, naquela altura em que Salazar ordenou que “deveriam todos os militares morrer, pois os que não lutassem até ao fim, não mereciam ser portugueses” – e se não foi com estas palavras, o significado era o mesmo -, pelo que, se alguns conseguiram chegar vivos a Portugal, pelo menos aqueles guardados numa dependência de uma capela em ruínas, não tiveram de enfrentar a ingratidão da Mãe Pátria.
Conto isto agora, porque na altura em que fiz a reportagem publicada, nem um dedo se mexeu por cá, no sentido de fazer chegar aqueles mortos a terras nacionais. Foi ainda pior do que está a suceder aos lutadores nas guerras de África, estas muito posteriores à invasão de Goa, Damão e Diu.
Pergunto: vale a pena ser português? É isto que se passa com os militares americanos que têm dado o corpo ao manifesto nos diversos confrontos por esse mundo fora, desde o Vietnam até ao Iraque, tão recente?
Se perguntassem às criancinhas que estão a nasce por cá, que nacionalidade prefeririam, se elas pudessem falar, que responderiam?
Eu não sou bruxo, mas arriscava uma resposta…
E já agora, aumento um pouco mais este texto, para referir uma situação que, não tendo nada que ver com a vida militar, se assemelha pelo abandono que os poderes públicos mostram aos seus filhos, mesmo quando eles se empenham em mostrar alguma utilidade à causa nacional: os jornalistas. Claro que defendo um problema em causa própria, mas vale a pena, mesmo resumidamente, dar conheciomento que este classe trabalhadora sempre teve - e isso vinha do tempo de Salazar, que tinha a esperteza de não desgostar os possuidores da caneta para contar o que se passava - a sua situação de saúde defendida, pois a Casa da Imprensa que vem dessa época, contava copm uma série de médicos que prestavam assistência completamente gratuita aos sócios, os hospitais também serviam para acolher os jornalistas sempre que necesitados, todos os remédios, análise e os restantes erviços de investigação médica estavam sempre à disposição durannte anos, antes e depois da Revolução. Pois bem, de repente e recentemente, o Governo entendeu fechar a Caixa de Previdência dos Jornalistas e a tal Casa da Imprensa ficou sem poder contar com o auxílio precioso que lhe era dado pelos serviços sociais. Cada um que resolva os seus problemqs de saúde como puder.
E o pior é que os jornalistas idosos, aqueles que tinham lutado antes com o aperto feroz da Censura e que depois, com o período revolucionário, também passaram grandes dificuldades, agora encontram-se entregues às suas possibilidades, que o mesmo é dizer à crise que não perdoa e que atira cada um para o seu canto.
Eu já nem sei se não terá razão José Miguel Júdice, ex-bastonário da Ordem dos Advogados, quando diz que "Portugal pode não ser viável!"

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