sexta-feira, 26 de setembro de 2008

DESCOBRIR O ÍNTIMO

Fiquei surpreendido? Talvez nem tanto. Quem, no grupo em que me julgo poder incluir, de pessoas que, durante toda a vida ouviu mais do que disse coisas, já é possível aceitar afirmações de que o interior do próximo está à disposição de qualquer um, não constituindo segredo mesmo aquilo que nós próprios não temos muito a certeza de poder descrever sem erro, tomar conhecimento dessa opinião a nosso respeito pode-se aceitar e mesmo que não coincida muito com o que julgamos ser a realidade, é um gesto do próximo que, pelo menos a mim, não me deixa boquiaberto.
Vem isto a talho de foice porquê? Porque provoquei e, por isso, li aquilo que uma parente minha me enviou por mail, abrindo-se completamente num julgamento que, provavelmente, terá os seus laivos de razoabilidade.
Falou da tristeza das minhas prosas e, sobretudo, das minhas poesias que, sem o afirmar, poderá ter apelidado de choronas. Fez um elogio às minhas pinturas, mas mostrou desapontamento por eu não ser conhecido nesse campo artístico, e, no fundo, apesar da grande diferença de idades que nos separa, estudou uma estatística em que pretende provar que, ao longo dos meus 78 anos, uma grande percentagem foi de felicidade, o que não justificava os poucos momentos de alegria que ainda consigo mostrar.
Fiquei a pensar, o tempo que considerei bastante, nestas considerações e pus-me a esmiuçar grande parte dos momentos da minha vida passada. E cheguei à conclusão de que será excessivo pretensiosismo nós querermos analisar o íntimo dos outros e ainda mais concluir sobre a felicidade ou infelicidade que cada um acarreta no seu íntimo. E lembrei-me da história conhecida do rei que, querendo ele ser feliz, porque o não era, mandou analisar no seu reino quem se podia considerar como um súbdito que gozasse de plena felicidade. Ao virem-lhe dizer que tinha sido encontrado um homem que resplandecia felicidade, um pastor, mandou imediatamente que lhe fossem buscar a camisa que vestia, porque um mestre em seu redor lhe teria dito que devia vestir a camisa da felicidade para poder gozar dela. O desconsolo maior foi quando lhe vieram dizer que o tal pastor pleno de felicidade… não tinha nenhuma camisa!
Esta história, que não é nova, serve-me sempre para reflectir sobre a opinião que formamos dos outros, pretendendo entrar no seu mais profundo do íntimo, apresentando recomendações e remédios como quem se avia na botica, mas esquecendo que o que o próximo necessita não está à disposição de qualquer e não é por emprestar uma camisa que se transforma uma pessoa, de má em boa, de feia em bonita, de incompetente em sábio… e assim por diante.
Se souberem de alguém que disponha em excesso de talento, por favor tragam-me à minha presença para eu lhe pedir uma mãozinha, por mais pequena que seja, desse dom.

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