terça-feira, 12 de julho de 2011

SONHAR



NUMA FASE COMO ESTA QUE o nosso País atravessa, criar o sonho nos portugueses de que lhes pode calhar o primeiro prémio do Euromilhões, sobretudo a um só concorrente, é colocar-lhes na cabeça um sonho que, se vier a concretizar-se provocará, por certo, um enorme conflito íntimo, pois a felicidade não se concretiza, creio eu, com a chegada repentina de 185 milhões de euros.
Na altura em que escrevo este mail ainda não se sabe o que ditará o sorteio que se realiza no princípio da noite, mas, como não sou diferente do resto dos seres humanos, coloco-me no papel de me caber a mim tal resultado. Sim, porque, naturalmente eu também jogo nesse sonho que, semanalmente, me indica que a sorte não quer nada comigo e que os prémios, quando me cabem, não chegam sequer para repetir a jogada noutro boletim desse sorteio.
No entanto, tenho dado comigo a pensar o que me sucederia se fosse eu o sortudo a dispor de uma verba tão vultuosa como é esta que está indicada para a semana que está prestes a acabar no que diz respeito a este jogo. E confesso que não consigo antever uma felicidade que sairia de tamanha fortuna repentina. Passar a dispor, repentinamente, de mais de uma centena de milhões de euros far-me-ia ficar dominado por uma indisposição cerebral, pois não haverá ninguém, suponho, que se mantenha indiferente perante o passar, num lapso de segundos, de cidadão corrente, com as dificuldades que este País está a castigar os habitantes, a multimilionário, com um excesso de disponibilidade financeira de tal dimensão.
O que é habitual ouvir-se, quando são feitos esses inquéritos televisivos aos transeuntes, é que comprariam uma casa (ou acabariam de pagar a que têm), adquiririam um automóvel de luxo, fariam uma viagem, ajudavam os filhos e os familiares mais próximos e assim por diante. Mas o que não é expresso é um outro problema que, esse sim, constituiria uma aflição que não seria fácil resolver. É que, um rico assim de um momento para o outro, teria logo que começar por não deixar que a notícia se espalhasse, pois que o que lhe cairia em cima, com propostas de negócios e com pedidos de toda a espécie, pois que os verdadeiros ou falsos necessitados, sobretudo os segundos, apareceriam de rompante com as histórias mais dramáticas que se podem imaginar e às quais seria muito difícil mostrar-se indiferente, por mais empedernido que fosse o coração que escutasse tais desgraças.
E, no nosso Portugal, onde já existem estatísticas que provam que 21 por cento dos idosos são gente muito pobre, a viver bastantes mesmo na miséria, como seria possível ficar-se impenetrável a prestar uma ajuda que seria, face aos milhões recebidos, uma gota de água?
Pois este pensamento tem-me atormentado em diferentes ocasiões e não escondo que chego a desejar que nunca seja eu um “beneficiário” de tal prémio. Viajar pelo mundo fora não gasta nada que se compare com o que se ganha; ajudar os familiares, isso só servia para criar zangas, pois haveria sempre distinções de montantes entre este e aquele e os menos favorecidos ficariam zangados por não terem sido os privilegiados e, seguramente, depois da primeira oferta outros pedidos apareceriam com garantias de amizade extrema e de amor familiar que, antes, nunca se descortinou.
Pois que saia hoje (para quem lê é ontem) a quem seja capaz de utilizar o montão de dinheiro, se for só um, ou então que o sorteio se divida por bastantes, pois que tudo junto é causador de infelicidade, de problemas, de zangas e de arrependimentos… por ter dado ou por não o ter feito!
Vamos, pois, todos ser felizes. Que é continuar com o sonho de que um dia talvez nos calhe o prémio!...

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