terça-feira, 28 de junho de 2011

DEIXEI DE FALAR

De repente, perdi a palavra
deixei de falar
fiquei mudo
nenhum som sai da minha boca
as mãos não chegam
para me expressar
só por escrito
posso transmitir o que me vai na alma
mas ninguém está disposto
a conversar comigo
só a lar o que eu escrevo

Eu oiço, mas não falo
faço caretas
para mostrar se estou satisfeito
opu triste
se concordo ou discordo
mas não exponho os meus pontos de vista
não consigo manter um diálogo
para além do curto sim ou não
e o uso da mímica
não chega para ser expressivo

Por isso uso o papel
e a caneta
como sempre fiz antes, quando falava
mas é como quem argumenta sozinho
sem se ouvir
sem ter uma ideia do tom que deve utilizar
sem perguntas
sem respostas
e só sim porque sim
ou o contrário

Não falar terá as suas vantagens
não aborrece o próximo
não lhe castiga os ouvidos
não corre o risco de dizer coisas inúteis
de falar por falar
de falar demais
não tem de se arrepender do que disse
não ter de voltar atrás
com a palavra dada
não empenhar a palavra de honra
só vale o que escreve
mas isso tem remédio
deita o papel para o lixo
não o mostra a ninguém

Falar, falar…
falar barato
abrir a boca para dizer o que lhe vem à cabeça
até asneiras
quando mais valia ter fiado calado
que é o risco de quem não tem
tento na língua

Por isso, desde que deixei de falar
passei a andar mais descansado
não tenho de me conter
para não dizer mais
do que devia
falo comigo mesmo
sem som
e só funciona
o mesmo comando que antes
orientava as palavras:
o cérebro
e esse, de facto,
não se vê
nem se ouve

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