domingo, 22 de maio de 2011

SABER ENTREVISTAR



QUANDO A PROFISSÃO DE JORNALISTA era conseguida ao fim de muito tempo de prática, em que os chefes de Redacção punham à prova os candidatos que tinham de ser considerados uns especialistas em generalidades, isto é uns “paus para toda a obra”, pois na altura não existiam particularidades na actuação e até, injustamente, os que se dedicavam ao desporto não tinham a classificação sindical de jornalista, todos os que se sentavam nas cadeiras das Redacções do jornais tinham de estar preparados para o que lhes calhasse ter de efectuar, desde uma notícia de um acidente ocorrido na altura até uma complicada e difícil entrevista a um elemento de preponderância, sendo, no entanto, que estas funções cabiam geralmente aos profissionais com mais anos de carreira e com bastantes provas dadas, nessa altura havia os que ensinavam e os noviços iam entrando na área através da responsabilidade que lhes era atribuída pelos seus chefes. E quantas vezes, ao ir-se entregar ao chefe um texto que tinha sido pedido, este, depois de lê-lo, o amachucava nas mãos e deitava-o para o cesto dos papéis, recomendando que fosse redigido outro, apontando os defeitos que encontrara. Escrever muito e para deitar fora era uma das formas de praticar jornalismo e só fazia bem esta prática, da mesma forma que os professores de instrução primária da época obrigavam a fazer redacções repetidamente e essas provas serviam de apuramento para e feitos de exame da quarta-classe.
Bem me recordo de, no início da minha actividade profissional, serem feitas recomendações de que o entrevistador não tinha que evidenciar opinião e muito menos mostrar contrariedade em relação a um ponto de vista que fosse defendido pelo entrevistado. O que sim se podia era acrescentar mais perguntas para esclarecer o que não parecia ser uma resposta clara que elucidasse os leitores do jornal do que pensava a figura que estava em causa. Mas nunca, por nunca ser, o jornalista expressava a sua opinião.
Nessa altura não havia ainda televisões e nem sequer gravadores que registassem o que consistia os pontos de vista dos que eram interrogados. A memória era fundamental e a escrita à pressa, com gatafunhos, do que era necessário registar consistia a única defesa do profissional que tinha a seu cargo transmitir, o mais fielmente possível, aquilo que obtinha como resultado do seu questionário.
Nunca esquecerei que, há vários anos, ao entrevistar em Paris o que tinha sido uma figura histórica da política francesa, Mendes-France, em sua cada, tendo este recusado que fosse utilizado um gravador que já se usava nessa época, fui obrigado a, mesmo em francês, ir escrevinhando o que me foi transmitido pelo entrevistado. E, ao sair do andar da sua casa, sentei-me nos degraus da sua escada e ali, antes que me passasse muita coisa do que tinha sido comunicado, tratei de passar a limpo para o resto do caderno aquilo que ainda conseguia conservar e traduzir dos apontamentos tomados. Uma verdadeira aventura!
Pois bem, vem esta descrição a propósito de quê? De que, num momento como este que atravessamos e em que os confrontos entre os vários responsáveis partidários são correntes, sendo mais necessário do que nunca que os portugueses reduzam, o mais que puderem, as dúvidas que mantiverem sobre a orientação a dar no próximo dia 5 nas eleições, sendo a televisão uma forma de transmitir directamente ao público aquilo que os candidatos têm a dizer, as entrevistas, sejam elas em forma directa ou em frentes entre mais do que um interventor, a forma de actuar dos jornalistas é da maior importância e tem de ser cuidadosamente preparada e recomendada para que não corram as deficiências que se verificam em grande número.
É verdade que os entrevistados têm de ser orientados para não repitam, vezes sem conta, matérias que já tratadas nesse mesmo programa, procurando que passem à frente no que respeita a outras perguntas que obriguem a mudar de assunto. Uma entrevista não põe transformar-se num discurso de propagada política e partidária, mas sim de esclarecimento sobre temas que o jornalista tem de saber que constituem preocupação dos portugueses na generalidade. E tem também de constituir uma preocupação permanente do condutor da entrevista que não se avolumem vozes, posto que sucede com frequência não se ficar com uma ideia clara sobre o que o entrevistado ou os, quando são mais do que um prestar esclarecimentos, se baralhem com o intuito de obstruir que passe aquilo que o oponente pretende dizer. E se é o próprio jornalista a provocar essa confusão de vozes, então menos se desculpa que tal aconteça.
Os exemplos que têm sido mostrados, nesta época mas isso vem de mais longe, de falta de profissionalismo e de bom trabalho por parte dos que conduzem as operações, tal actuação, sobretudo por parte de quem passou por períodos de aprendizagem muito severos que antes faziam parte da preparação dos profissionais, não pode deixar indiferentes os mais velhos que, com o andar dos tempos, cada vez são em menor número. Mas quem, como é o meu caso, assiste às situações que agora são correntes, não pode deixar de ficar incomodado e de constatar que não avançámos nada no modo de actuar e que, especialmente agora, com faculdades que pretendem ensinar com canudo os que pretendem enveredar pela profissão, muitos dos que se encontram colocados nas Redacções, se fosse antes veriam os seus trabalhos irem directamente parar no cesto dos papéis, tendo de repetir as vezes que fossem necessárias até à altura de serem considerados aptos para a profissão que escolheram.
É muito difícil ser um bom profissional neste sector. É verdade. Mas, para além da preparação escolar que obtenham, tal com um músico, um artista de artes, um escritor ou de qualquer outra actividade que requeira muito do que existe dentro de cada indivíduo, não chega invocar um “canudo”. É muito mais do que isso…

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