sábado, 4 de dezembro de 2010

ORDENADO MÍNIMO


ANDAMOS AGORA NESSA FASE de discutir a promessa que tinha sido feita pelo Governo de aumentar o ordenado mínimo nacional, de 475 euros para 500 mensais. E, perante a afirmação de Sócrates de que não era viável tal cumprimento do prometido, por dificuldades financeiras bem visíveis por parte das empresas, levantou-se uma quezília que, obviamente, envolve também e sobretudo os sindicatos.
Pondo de parte a necessidade de se fazerem todos os esforços para diminuir, na medida do possível, as dificuldades com que lutam os mais desprotegidos, o que se torna, julgo eu, essencial é analisar com bom senso a questão toda ela. É que, contrariamente ao que se verifica na maioria dos países de todo o mundo, em Portugal trabalham-se 11 meses e recebem-se 14 remunerações mensais. E essa invulgaridade dá ocasião para que, visto de fora, não se esconda alguma estranheza.
Mas vamos ao fundo da questão e, mesmo tocando fundo no nosso bolso, habituado que está a, em Dezembro de cada ano e na altura das férias, receber mais um mês de ordenado, apesar disso valerá a pena termos a honestidade suficiente para, com absoluta independência de interesses, enfrentar a questão nua e crua.
Vamos a um pequeno exercício de contas: quem ganhe mensalmente 1000 euros, recebe por ano 14.000, atendendo às tais duas mensalidades que são acrescidas nas datas indicadas. Dado que só utiliza 11 meses no esforço que presta à sua actividade, quer dizer que cada mês efectivo de actividade profissional é retribuído por 12.727 euros. Poderão ser apelidadas de tendenciosas estas contas, mas que constituem uma mera operação de matemática, sobre isso não podem existir opiniões contrárias.
Por outro lado, analisando sem quaisquer complexos, qual é o espelho da produção portuguesa, comparando-a com outros países, também europeus – porque não é aceitável fazê-lo em relação a países do Extremo Oriente, a China por exemplo - , teremos de ser honestos e não ocultar que o resultado dessa actividade não pode ser posto em confronto, por ser negativo o saldo para o nosso lado, com o que sai das mãos dos nossos trabalhadores, pois que, para falar claro, diremos apenas que esses lá de fora “não brincam em serviço”.
Fala-se também da falta de preparação da grande maioria dos empresários nacionais, o que corresponde a uma evidência indiscutível. E daí que os nossos emigrantes, ao actuarem para lá das fronteiras nacionais, mostram ser muito produtivos, consequência de duas coisas: a excelente orientação que lhes é dada pelas empresas estrangeiras e também, não escondamos, o receio que paira sempre sobre as suas cabeças de que, se não corresponderem em resultados de trabalho ao que recebem como remuneração, a porta de saída é-lhes logo indicada e não têm recurso à tal “justa causa” que cá tanto tem contribuído para se lutar pelo emprego, mas não pelo trabalho…
Tudo isto para eu expressar o quê? Que, em lugar de existir essa luta pelos 13º e 14º mês, o que deveria constituir um esforço de todos era o aumento dos salários de todos os que trabalham, dividendo os tais subsídios pelos 12 meses e, obviamente, ao ser tomada essa medida, os reformados serem em absoluto abrangidos pela mesma medida. E, dessa forma, o ordenado mínimo nacional subiria mais do que os tais 500 euros…
E, a propósito de reformados, é ao assistir-se aos programas televisivos em que muita gente participa telefonicamente com comentários ao tema que está a ser debatido, em que surgem os nomes, as idades e as situações de actividade, que se verifica que é assustadoramente grande o número de participantes que, com menos de 65 anos (e muitos até na casa dos 50), se encontram já na categoria de “reformados”.
Como é que é possível dispor de dinheiros públicos para fazer frente aos gastos inadiáveis de um Estado, quando uma enorme parte das verbas, mesmo que elas pertençam ao sector social, são destinadas a pagar a uma grande parte da população que já não trabalha – portanto já não desconta – e, com a extensão de vida que é hoje uma realidade, apenas subsiste por via das verbas que, mesmo pequenas, ínfimas, de fome, no conjunto constituem um montante elevado?
A propósito de fome, há que referir que nunca se verificou em Portugal uma necessidade tão grande de recorrer às refeições gratuitas que as ainda existentes organizações de apoio ao pobres, entre elas as Misericórdias, como agora sucede. Esta é a demonstração de que já nos encontramos numa fase verdadeira e assustadoramente de falta de recursos de um enorme número de pessoas e de famílias que não têm maneira de se alimentar. Uns tempos atrás, quando parecia que Portugal vivia uma época de grande fartura, porque nunca os governos expuseram a realidade e tomaram as devidas medidas de precaução, ninguém foi capaz de prever que se atingiria este ponto. E é por isso que eu considero que este meu blogue, não só pelo que escrevo agora mas pelo que eu adverti antes, deveria ser seguido com alguma atenção e bastante credibilidade.
Será, afinal, por estas e por outras que eu prevejo que o próximo responsável do Governo, quando surgir, se vai apresentar fazendo sempre recurso à desculpa de que os seus antecessores não souberam precaver-se e lhe deixaram, um berbicacho de difícil solução. E que as medidas ainda mais pesadas que forem necessárias tomar, tudo o que tiver de ser feito será consequência do triste passado que herdou… Haveremos sempre de atirar as culpas para quem esteve, nunca para quem está.

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