segunda-feira, 4 de outubro de 2010

O REI SÓCRATES


VEJM LÁ o que fui sonhar na noite passada. Face ao período que se atravessa de comemorar os 100 anos da implantação da República em Portugal, dei comigo num sonho que me deixou, ao acordar de manhã, num estado deplorável de humor. Pois foi, nem mais nem menos, o encontrar-me situado no regime monárquico português e em que o rei que se sentava no trono tinha o nome de D. José II, com o cognome de “O Sabedor”.
Até aí nada de preocupante, pois numa modalidade ou na outra, o que interessa acima de tudo é a capacidade do responsável principal pela governação ser alguém que mostre competência e que tenha a capacidade para ouvir as opiniões dos outros, sobretudo quando podem ser melhores do que as do próprio. E se se tratasse de uma monarquia em que o espírito democrático funcionasse com um cumprimento perfeita das regras de aceitar os votos da maioria, nessas circunstâncias há, pela Europa, sistemas que assim actuam e, pelos vistos, não se verifica grande descontentamento, se bem que isso dos sucessores terem de pertencer a descendentes na família real, esse pormenor, no que a mim diz respeito, não é o que mais me agrada. E, sobretudo porque até na Coreia do Norte – mas não só aí -, são os filhos que ocupam os lugares dos ditadores pais, pelo que então ainda maior é a minha falta de gosto em seguir esse sistema da sucessão garantida.
E no referido sonho, ao ver, depois de acomodar-se no trono, quem era a figura que fazia tal papel, fico espantado ao constatar que se tratava de José Sócrates que, apesar da enorme coroa que mantinha sobre a cabeça, não escondia o seu enorme prazer e, alisando o longo manto todo bordado que mantinha sobre as costas, fez sinal ao seu tesoureiro-mor para que se aproximasse. E aí, com novo espanto da minha parte, depara-se-me Teixeira dos Santos que, de joelhos, carregando um maço de papeis e pondo à disposição de Sua Altesa uma pena de plumas e um tinteiro, esperou que o Monarca pusesse a sua assinatura no que seriam uns despachos que amontoavam as cargas fiscais que iriam sobrecarregar os pobres súbditos. Um outro subalterno, numa bolsa bem pequena, aproximou-se e entregou um rolinho que continham as despesas do palácio real, as quais num golpe rápido, também foram assinadas, mas com nítida má vontade do Soberano.
Entretanto, do fundo da sala, um membro que ali tinha tido autorização para entrar, avançou com ar petulante, e sacando de uma espécie de carta de alvissareiro, leu em voz alta, para espanto dos assistentes. Tratava-se de um aviso feito em nome daqueles que representava – disse que dos trabalhadores – em que estabelecia uma data em que se realizaria uma greve geral, por contestação contra as medidas que tinham sido tomadas que muito prejudicavam os seus representados. Acabou a leitura e recolheu-se junto de outras figuras que, receosamente, tinham assistido à cena. Mas o avisador, que eu pude, no meu sonho, constatar que se tratava de Carvalho da Silva, ao chegar junto do seu grupo, lá desabafou: “Eh pá! Pagam-me para isto e eu não posso perder o emprego…”
E foi então que o meu sonho terminou. Acordei alvoraçado, mas, minutos depois, ao tomar consciência do que estava a acontecer, realizei que não havia Monarquia nenhuma, que vivíamos em República democrática, mesmo não sendo a mais bem praticada, que o chefe do Governo é que era aquele que eu tinha imaginado de coroa na cabeça, e que, não havendo assim uma grande distanciação da realidade com o conteúdo do meu sonho, havia que separar as duas coisas.
Mas ainda, antes de me dirigir para a casa de banho, tive tempo para reflectir. É que, se fosse uma Monarquia o regime em que nos movimentássemos por cá, talvez houvesse a hipótese de se dar outra mudança para a República; mas o contrário é que não parece ter viabilidade. Logo, ficamos como estamos e que alguém nos ajude.

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