quinta-feira, 30 de setembro de 2010

APERTAR O CINTO


E EU, QUE CONFIADO estava que tinha chegado a esta altura da minha vida sem ver credores a bater à minha porta, dou subitamente comigo a carregar uma dívida de 14 mil euros. E a quem é que eu tenho de pagar o que me avisam agora que me compete assumir tal compromisso? – é a pergunta que me ocorre fazer, dado que não fiz quaisquer compras utilizando o cartão de crédito. Pois fiquei a saber que é a crise da dívida pública que provocou que o Estado, mal governado como se sabe, ocasionou que termine o ano de 2010 com Portugal a dever aos mercados estrangeiros qualquer coisa como 142,2 mil milhões de euros, o que, feitas as contas, atribui a cada lusitano o tal montante atrás referido.
Quer dizer, no ano passado – soubemo-lo agora – já cada um de nós era devedor de 13 mil euros e neste 2010 o Estado (ou seja o Governo que temos) aumentou a dívida, diz-se, devido aos juros elevadíssimos que nos são exigidos pelos credores, tendo estes já ultrapassado os 6,5%.
É evidente que os riscos que os que emprestam dinheiro a Portugal assumem é cada vez maior e por isso se, por um lado, limitam quanto podem os montantes que são solicitados da nossa parte, quando anuem a ceder-nos alguns montantes sobrecarregam com juros a níveis que têm vindo a subir e que, tudo indica, poderão não ficar por aqui.
Foi a esta situação a que chegámos e que tem de nos fazer sentir grande preocupação pela incapacidade evidenciada até aqui pelo nosso Governo e, relembrando o passado, constatamos, sobretudo os que são dessa época mas também os que não tendo vivido o período da Grande Guerra Mundial não ignoram a História, que a Alemanha, esse País que sofreu uma derrota clamorosa devido à actuação do seu líder da época, o odioso Adolfo Hitler, tendo ficado completamente destruída e tendo sofrido também a divisão em duas parcelas que, há pouco tempo, foram reunidas, nesta altura dá-se ao luxo de ajudar, com fundos de resgate, alguns dos seus pares da União Europeia, tendo agora saído a declaração de que, para além de 2013, essa comparticipação não se prolongará.
É sabido que o meu portuguesismo e o meu amor pela lusofonia não se submetem a não apontar os defeitos que devemos assumir e que não sou dos que escondem essas realidades com o glorioso passado das Descobertas que servem para desculpar todos os erros que têm vindo a ser cometidos, sobretudo nos dois séculos que estão próximos incluindo o que ainda vivemos. Por isso, na situação em que nos encontramos, com os governantes que nos têm cabido no mesmo período e especialmente – porque é esse o caso que temos em observação - quanto ao que vamos estando a suportar nos últimos anos, só nos poderá servir de ajuda se aceitarmos que o comportamento, a forma de ser, até mesmo o “desenrascanço” de que muitos se gabam, só contribuem para não sermos capazes de antecipar a visão dos problemas e de estudar soluções com cabeça, bom senso e profundo estudo. Não se trata de nenhum mistério o não conseguirmos acompanhar os melhores, e até os médios procedimentos dos nossos parceiros europeus. E até é esse o motivo por que nunca acertamos nos montantes das estimativas das obras e menos ainda nos prazos de finalização das mesmas.
Pois, por muito que o estilo austero alemão não nos atraia demasiado, é agora a altura para aprendermos alguma coisa, se formos capazes de pôr de parte o nosso tradicional “logo se vê” e passarmos a tomar consciência dos nossos defeitos, por mais que tenhamos a vaidade de julgar que aqui, neste extremo da Europa, é que se situa o exemplo que os outros deveriam seguir. Já fomos exemplares, é verdade, mas isso foi no século XV. Agora encontramo-nos no XXI e não é possível continuarmos amarrados a uma antiguidade que, nesta época dos computadores, não tem a menor aplicação.
Os nossos sucessores, os que vão herdar as dívidas que lhes deixamos, esses bem nos encherão de acusações de perdulários, de péssimos cumpridores das mínimas regras de só gastar o que temos e de não continuar a mandar “pôr na conta”, como sempre foi feito neste nossos tão pitoresco País.
Posto este texto que já estava redigido antes do esclarecimento dado pelo Governo, na voz do primeiro-ministro e do responsável pelas Finanças, acrescento apenas o que me foi possível apontar no decorrer das declarações televisivas que cada um dos espectadores pôde atinar. E, em primeiro lugar, reconhecendo a mão à palmatória a que Sócrates acabou por se submeter (sabe-se lá com que amargura por ser contrário aos seus princípios), só tenho de lastimar que medidas semelhantes, por ventura menos castigadoras, deveriam ter sido tomadas já há um ano. Se as despesas tivessem sido reduzidas – e há ainda bastante que cortar no capítulo das empresas públicas, dos municípios, das instituições e dos, serviços externos de consultadoria e outras despesas que não foram referidas nesta explicação prestada – poder-se-á talvez afirmar que, nesta extrema decisão que tem a ver com as recusas externas em conceder mais empréstimos a Portugal poderia não ser tão castigadora como a que vai ser adoptada no ano próximo e mesmo algumas que entram em execução antes do final de 2010. Mas paciência. Já de nada vale lastimarmo-nos e o que importa agora é ver se se conseguem os objectivos anunciados como indiscutíveis.
Para isso, no capítulo das despesas, a medida mais chocante será a da redução de uma média de 5% nos salários, da função pública, superiores a 1.500 euros mensais, podendo chegar aos 10% nos casos de maiores valores. Igualmente o Governo tomou o compromisso de cancelar todos os investimentos públicos, situação que o ministro das Obras Públicas tem que encarar, para ver se termina com as suas afirmações completamente fora da realidade.
Já no que diz respeito às receitas, o maior castigo que vai ser aplicado aos portugueses é do novo aumento de 2%, o que fará subir o total para 23%, representando, por isso, uma subida dos preços de uma variedade de produtos, grande parte deles considerados de primeira necessidade.
E nesta breve análise do que constituem as medidas que o Governo tomará e que terão cabimento no Orçamento do Estado que vai ser discutido no Parlamento, regresso ao que comecei por afirmar no início deste texto de que a Alemanha tem dado um exemplo de actuação que, por sinal, está a ser seguido por diversos países europeus. E como vale mais tarde do que nunca, não remediando nada atirarmos agora pedras ao Governo por se ter atrasado excessivamente em actuar como lhe competia, só nos resta estar atentos e confiar, até nova alternativa que politicamente possa ser dada e em que um novo eventual responsável no Executivo tenha a capacidade de saber ouvir, de não ser arrogante e de reunir em sua volta elementos capazes e com o sentido de serviço público e não de fieis seguidores de um partido, seja ele qual for, a aguardar por uma bem remunerada colocação posterior numa empresa ligada ao Estado, como é o que tem sucedido à sombra de uma Democracia que não lhes convém nem apetece cumprir.

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