segunda-feira, 19 de julho de 2010

DESENCANTO POR ENQUANTO!...


Todos os anos sucede o mesmo. Não constitui qualquer surpresa constatar que são muitos os hectares de propriedades que ardem por esse País fora, restando apenas apurar os números para saber se a época que corre é pior do que a que passou. E contentamo-nos quando se verifica alguma baixa de valores consumidos, registando essa melhoria, por pequena que seja, como demonstração de que os incendiários foram mais benevolentes agora do que no mesmo período do ano anterior.
Também, perante iguais catástrofes que ocorrem noutros países, damo-nos por satisfeitos sempre que os elementos apurados se apresentam por lá mais drásticos do que aqueles que são aqui anunciados. E respiramos de satisfação.
No entanto, vale a pena pararmos um pouco para pensar nas características daqueles que são os causadores criminosos dos fogos que provocam as destruições de valores, campesinos ou até de residências, que se repetem de ano para ano. Quem e como serão essas criaturas? São gente nova, diz-se, alguns são até apanhados mas, de uma forma geral, não são divulgados os perfis de tais incendiários. E continua-se sem ter uma ideia do tipo de pessoas que se dedica a tamanha malfeitoria.
Já tenho procurado colocar-me na mente de tais arrepiantes criaturas, tentando apanhar as sensações do prazer que poderão sentir no momento em que se encontram a provocar o foco inicial do incêndio que se há-de estender pelo campo fora. Terá de ser forçosamente de noite, para não ser notada a presença, logo em plena escuridão. E, em tais circunstâncias, iria assistir ao alargamento rápido das labaredas que tinham nascido de um simples fósforo que aterá as folhagens secas. E, logo de seguida, a imaginação mandar-me-ia abandonar o local, indo-me colocar numa zona de observação para satisfazer a contemplação da obra executada. Mas sempre cuidando para não ser visto. Sendo possível, faço por repetir a operação a certa distância e em que a linha da zona a incendiar seja contínua, por forma a criar uma fronteira de fogo.
Que prazer que isso me daria! E, na manhã seguinte iria assistir à azáfama de centenas de bombeiros, às aflições e choros de habitantes a verem as suas propriedades já a arder ou em perigo de serem atingidas e despejando baldes de água como se isso servisse para resolver o problema, ao mesmo tempo que o ruído das sirenes e até a minha própria participação na ajuda da tentativa de extinção, tudo isso serviria para aumentar o cenário do grande e impressionante espectáculo de que eu tinha sido o produtor.
Mas, saindo de cena, deixando de me pertencer o papel de protagonista, coloco-me agora no lugar de puro espectador, tentando interpretar os sentimentos dos actores, sobretudo daqueles cujos papeis são os de maior relevo, como sejam os incendiários propriamente ditos. E, como admito que se tratam de jovens que ainda se situam na fase experimental de vida (porque os casos de vinganças e confrontos pertencem aos mais velhos executarem), imagino que é o prazer dessa experiência que leva a praticar tais actos.
E é nessas circunstâncias que encontro mais facilidade em expor o motivo do prazer de assistir ao incêndio provocado. E mesmo que me custe chegar a tal extremo, sou levado a transpor o acto do incendiário ao de certa e excessiva juventude que encontra desmedido prazer em, através dos “sprays” de tintas de diversas cores, cobrir as superfícies, sejam elas quais forem, dar azo ao seu espírito destrutivo. Tanto faz que sejam monumentos valiosos, de muita antiguidade, como placas indicadoras de informações preciosas aos cidadãos, de paredes, portas, traseiras de autocarros, tudo que receba essa tinta horrorosa para dar largas ao acto de selvajaria que existe no íntimo de bastantes desses jovens.
Por muito que possa escandalizar os que cheguem a ler estas linhas, eu não consigo distanciar assim tanto a horrorosa atitude dos incendiários, dos destruidores de campos, florestas, arborizações, celeiros, currais cheios de animais, as residências dos que habitam por perto, com as dos que, nas cidades, sujam tudo, destroem coisas bonitas que os homens fazem para outros se deleitarem a contemplar ou para sua informação, só pelo simples prazer de encher de tinta e de escrevinhar frases sem sentido, ilegíveis, afrontosas quase sempre, inestéticas. Ambas as atitudes correspondem a um gozo lúgubre, a uma contribuição para um dia de amanhã pior do que o de hoje.
Cá por mim, essa camada de cidadãos, embora ainda não seniores, que nos torna mais negro o espectáculo da vida, não faz grande diferença uma da outra. Uns destroem, com prazer, o que a Natureza nos põe à disposição, nos campos, nas montanhas, nas aldeias. Os outros, também para seu gozo pessoal, conspurcam os locais mais habitados, nas cidades, nos sítios onde o Homem já empregou a sua arte e o seu saber. Estragam o ambiente.
Causam-me fúrias os dois.




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