domingo, 20 de junho de 2010

MAIS ALGO DE SARAMAGO


NÃO ME FICO PELO blogue que ontem redigi sobre o Prémio Nobel da Literatura que tinha a nacionalidade portuguesa e nos honrou por esse facto. Achei pouco. E, sobretudo depois de ter visto a enorme difusão de opiniões que as diferentes comunicações sociais fizeram surgir sobre a morte de Saramago, não me apeteceu ficar a dar a ideia de que não considerei suficientemente digno de registo o passamento em Lanzarote do escritor e que terá sido por isso que não me estendi em comentários mais aprofundados. Pois, nada disso!
Comecei a fixar-me em Saramago quando não era ainda um escritor marcado pelo sucesso, mas na altura, em 1975, em que soube da sua nomeação como director-adjunto do “Diário de Notícias”, diário que tinha ficado ligado pela sua actuação anterior à política vigente, salazarista e marcelista, e que, também pelo seu poder económico, se situava na primeira linha da Imprensa portuguesa. Atravessava-se a época do PREC, do gonçalvismo, dos oportunistas revolucionários que pretendiam aproveitar a actuação de alguns militares para implantar um outro sistema político ditatorial com grande influência do Partido Comunista. Quem acompanhou de perto toda a situação que se viveu nessa altura, especialmente os que tinham dado o corpo ao manifesto durante a vigência do regime apertado e que pretendiam, acima de tudo, que a Revolução fosse portadora de um sistema de pureza democrática, tanto quanto fosse possível, não podiam conformar-se com uma repetição à Esquerda do que se tinha vivido, durante largos anos, à Direita. E esse confronto, apesar de pacífico, teve lugar com vários cenários, sendo que o jornalismo ocupou um papel preponderante por parte dos que não se deixaram envolver por efeitos que, até pelo conhecimento do que ocorria nos Países de Leste, não eram desejáveis aqui na ponta oeste da Europa.
O que me fez, pois, dedicar grande atenção a José Saramago nessa ocasião foi o acto da sua autoria de despedir duas dúzias de jornalistas do “DN” que não se dispuseram a acatar as instruções dadas por ele de que, quem não estivesse conforme com uma actuação profissional condizente com a política comunista, o caminho que deveriam seguir era o da “porta da rua” – assim claramente. Ora, este gesto não me saiu do pensamento durante muitos anos e não é agora, apesar do falecimento do responsável por tal gesto, que vou fazer um retrocesso na minha forma de recordar factos concretos. E de deixar de lastimá-los.
Numa altura em que desfilam, em todas as manifestações mediáticas, personalidades a fazer declarações pretensamente muito elogiosas do ser humano que foi Saramago, mesmo aquelas de que não se esperaria tais posições de tão desmedido afecto – atitude que é muito praticada no nosso País, sempre que convém sobressair nos noticiários -, por isso mesmo não deixo de referir, ao menos neste blogue, um comentário de que assumo inteira responsabilidade.
Quero acrescentar que, no que diz respeito à sua actuação como escritor, e de forma bem clara que, sendo leitor de todas as suas obras, algumas digeridas com inegável apreço e outras com menor entusiasmo – isto no capítulo puramente literário -, há que reconhecer que um homem que se formou intelectualmente a si próprio e que, concretamente na área da escrita, mesmo sendo tarde que deu à luz grande parte das suas obras, não receou os ataques que pudessem surgir por parte de sectores mais ligados à religião católica e exteriorizou a opinião que levava consigo de convencido ateu – o que a mim nunca me convenceu inteiramente.
Não me é permitido honestamente entrar na área da intimidade das intenções dos que praticam seja o que for, e por isso não posso nem devo classificar o motivo que levou José Saramago a optar pela demonstração de uma animosidade clara em relação a certas consagradas fidelidades na área do catolicismo. Defrontar uma força como é a que, bem organizada, está difundida em muitas partes do mundo e tem a sua base num Estado forte, como é do Vaticano, escolhendo temas, como a Bíblia, para pôr a sua imaginação em riste e difundir questões e incredulidades em relação a casos que não merecem discussão por parte dos que crêem fervorosamente no que tem sido transcrito ao longo de séculos, tal atitude corresponde à que foi tomada pelo escritor (de que não me recordo neste momento do nome) que entendeu atirar-se contra Maomé, o que lhe valeu uma decretação à morte no meio islâmico. E teve de viver escondido durante anos, o que, em contrapartida, lhe valeu uma divulgação mundial do seu feito e do livro de que foi autor.
Não estou a comparar, mas que, por parte de Saramago, esse caso de ter colocado a sua vida em perigo não ocorreu isso é indesmentível, pois que o extremismo religioso não se pratica nos cristãos, mas essa circunstância pode ser posta em equação.
Tenho de esclarecer que, no que a mim diz respeito, não existe a menor revolta pelo facto de o Velho e o Novo Testamento terem sido postos em causa pelo nosso Prémio Nobel. Eu, que no reino das minhas permanentes dúvidas, não consigo sair da agnosticidade, tanto mais que levo em conta que todas as leis e determinações que as diferentes religiões assumem como suas, são originárias de seres humanos que, a seu tempo, as transmitiram aos descendentes, E, como não escondo nos meus diferentes textos, essa figura, que ninguém consegue descobrir cientificamente como apareceu, o Homem, tem dado largas mostras de se ter enganado com frequência e todos os dias deparamos com erros que se vão sucedendo.
Em conclusão e no que se refere a José Saramago, muito embora o entusiasmo que é demonstrado agora seja facilmente ultrapassado, em face de acontecimentos que não faltarão já a seguir (se, no futebol, fizermos boa figura ou se formos maltratados, tudo constituirá notícia mais importante), pois o Homem não se mantém muito fiel ao que deixa de figurar nas primeiras páginas dos jornais, é importante que se continue a respeitar o seu nome e o facto de ser um Prémio Nobel da Literatura, muito embora a intenção oficial de recomendar a leitura nas escolas dos seus livros, não se mostre muito viável, dado que, de novo o critico neste aspecto, o seu não seguimento de regras de facilitação da leitura, da raridade de pontuações, o que nunca foi devidamente explicada pelo próprio, os extensíssimos parágrafos, as ausências de maiúsculas nos nomes próprios, isso, que as traduções em línguas estrangeiras não revelam, não lhe darão a perspectiva de, tal como outros autores portugueses do passado, se manter como ponto de referência literária. É o que eu penso.
Mas, caso curioso, como sabem os leitores que me têm seguido, neste meu blogue mas desde sempre e muitos anos atrás o demonstrei, o meu interesse em que Portugal seja considerado, no mundo e sobretudo na Europa, um País com importância, ressalta no erro histórico que temos pago e que, neste momento que se atravessa se agudiza de dia para dia e piorará, é uma situação em que, mais ano menos ano, acabará por se solucionar. Foi a solução que se encontrou, por exemplo, com a criação do Benelux. Pois aqui, as minhas opiniões coincidem com as que José Saramago também expressou recentemente, ou seja, que em lugar de existir um Portugal e uma Espanha, neste conjunto tão bem situado na ponta do Continente, o que passaria a ser um forte bloco seria (e julgo que será, embora já cá não esteja para ver) simplesmente a Ibéria, com todos os seus princípios tradicionais, a língua (ou as línguas), os Governos, etc. Mas isso já tratei e fica para outra ocasião.
Peço desculpa se não entro na fila dos que, mesmo que com certa surpresa, aparecem a lançar elogios sem conta nem medida. Eu, que respeito o escritor e lhe reconheço inegáveis e justos méritos como tal, não tenho de fingir que não há defeitos a assinalar, de que é um mal de que todos nós padecemos. E que, mesmo que sejam inferiores às qualidades, não se desfazem com a morte!...

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