quarta-feira, 5 de maio de 2010

"PERIGO AMARELO"


NÃO É DE AGORA, pois há muitos anos, salvo erro terá sido até Eça de Queiroz que lançou a expressão do “Perigo Amarelo”, tratando-se de algo que fez pensar e que poderia vir a acontecer, certamente sem o espírito de maldade que sobressai da frase ela própria. Em finais do século XIX e princípios do seguinte, começou-se a prever que a dimensão da China e a expressão populacional que representava e aumentaria no futuro daquela época faria com que o Mundo pudesse chegar a defrontar-se com a “invasão” que iria representar a saída, fronteiras fora, de chineses que procurassem solucionar as suas vidas em terras distantes.
Essa situação foi-se conservando em “banho Maria”, sem ser levada a cabo, por diversas razões que fizeram com que as portas largas desse País longínquo não se abrissem com facilidade. Nem para sair nem mesmo para entrar, pois as visitas não eram acolhidas com grande entusiasmo. E, quando chegou a altura do ditador Mao-Tse-Tung, aí, durante toda a sua governação, ainda mais custoso se tornou que o intercâmbio de cidadãos se verificassem e o estrangeiro para eles consistia numa visão e num imaginário que não se encontrava ao alcance nem das suas bolsas nem das autorizações legais de saída. Eu, que tive ocasião de passar a fronteira chinesa, entrando por Macau, naquela época de repressão maoista, pude verificar como a população vivia atrofiada e submissa. Mas muito trabalhadora.
A produção resultante do trabalho meticuloso, mas mal pago, dos cidadãos chineses não alcançava muitos mercados, até também porque o desenvolvimento tecnológico levou tempo a chegar às indústrias locais. As exportações não fizeram, durante muitos anos, parte das preocupações dos responsáveis governativos, mas nem tudo dura toda a vida e a morte do ditador contribuiu para que os seus sucessores começassem a entender que o abrir as portas para a colocação do que saia das fábricas, a pouco e pouco modernizadas, e com a vantagem, dificilmente acompanhada pelos mercados externos, de os salários incrivelmente baixos do operariado e o elevado número de horas diárias de produção tornar os preços de venda difíceis de competir pela maior parte dos produtos que se comercializavam e comercializam em todo o espaço terrestre, essa alternativa consistia uma possibilidade para a República da China avançar para fora do seu espaço.
Era o tal “perigo amarelo” que entendeu que deveria mostrar-se e, a pouco e pouco, deu o passo que estava previsto há muitos anos. Com o silêncio que a emigração chinesa consegue manter quando se instala em qualquer parte do estrangeiro, a expansão mundo fora começou a ter lugar, não só com os próprios emigrantes mas através de lojas de artigos provenientes desse extremo Oriente, em que os próprios funcionários vendedores são orientados por organizações que comandam todas as operações, desde o proporcionar os investimentos indispensáveis até à preparação dos locais de alojamento, por forma a que os emigrantes chineses, sem conhecerem a língua do País de acolhimento, possa beneficiar de todas as facilidades minimamente exigíveis. E elas nem sequer são muitas.
E assim, se foi espalhando pela Esfera terrestre uma onda de população chinesa, e essa expansão de famílias e mercadorias em grande escala tem contribuído para que a balança de pagamentos da China tenha atingido um saldo positivo de tanta relevância que hoje, mesmo sem se ter conhecimento dos números que não saem do segredo do seu Governo, se sabe que até os E.U.A. representam uma quota parte bastante volumosa de dívidas àquele País.
E no capítulo da população da China, ela é hoje de cerca de mil e trezentos milhões, ou seja um quinto de gente de todo o Mundo. Quer dizer, portanto, que a “invasão chinesa” é uma constante e Portugal, naturalmente, não podia fugir a essa mancha oriental, sendo que, mesmo nos mais ignorados recantos do nosso País, deparamos com as chamadas “lojas dos chineses”, onde se podem adquirir numerosas produtos, quer de origem daqueles comerciantes quer de outras procedências, todos a preços inferiores aos que se comercializam em estabelecimentos correntes. E, para além dessa característica, as horas de funcionamento ultrapassam todas as que são praticadas pelos cumpridores zelosos de horários correntes e não há feriados que impeçam que as portas sejam escancaradas para receber os possíveis compradores. A sua agilidade comercial faz com que aproveitem todas as circunstâncias para oferecer aos potenciais clientes produtos que seriam impensáveis por outros mercadores. Todos se lembram que, quando, por motivo de uma euforia futebolística, as bandeiras portuguesas foram colocadas nas janelas nacionais, logo elas ficaram disponíveis nas “lojas dos chineses”, por sinal, bandeiras essas feitas na própria China, por sinal com um erro dos castelos que não tiveram tempo para estudar convenientemente. Mas eram baratas e venderam-se…
Não podemos criticar quem sai do seu canto para, pelo mundo fora, procurar melhorar a sua vida. Nós, quando emigramos também somos produtivos, a única diferença é que, quando trabalhamos na nossa própria Terra, aqui não fazemos o menor esforço para criar competitividade e para contribuirmos para melhorar a nossa balança de pagamentos.
Aprendemos alguma coisa com esse exemplo dado pelos chineses? Se nós, em nossa Casa, fizéssemos o mínimo esforço para produzirmos com qualidade, preço e em quantidade que fizesse com que os preços de venda pudessem competir nos mercados estrangeiros, seguramente que as condições de vida difícil que atravessamos não seriam tão causticantes. Isso, claro, com uma governação inteligente, positiva, de bom senso e sem interesses egoístas de viver faustosamente à custa de posições alcançadas por favores que fazem uns aos outros e não pelo valor próprio de cada um.
Mas, “perigo ibérico” nunca fomos e nunca seremos. Com ou sem a ajuda dos vizinhos do lado.

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