sexta-feira, 28 de maio de 2010

ENTREVISTAS E ENTREVISTADORES


ESTE CASO já ocorreu há umas semanas, mas vale a pena voltar a ele. Trata-se do que se passou com o deputado socialista, Ricardo Rodrigues, que, numa entrevista que lhe estava a ser feita por dois jornalistas de uma publicação semanal portuguesa, antes desta terminar se levantou e meteu no bolso dois gravadores dos profissionais de Informação, abandonando o local, por sinal no interior da Assembleia da República, sem atender às reclamações dos entrevistadores. Esse episódio ficou gravado nas câmaras televisivas e, dado ser muito pouco corrente na actividade jornalística tamanho desaforo, deu ocasião a que constituísse um assunto de larga difusão, suscitando duas frentes opostos, os que defenderam o deputado e os que o acusaram fortemente por tal gesto.
Tive ensejo, como outra gente, de ler o conteúdo das perguntas e respostas que deram motivo a Ricardo Rodrigues para ter tido aquele gesto de meter no seu próprio bolso os equipamentos dos inquiridores e sair porta fora. E, como antigo jornalista, com muitos anos de profissão – interrompida, a certa altura, por razões políticas do antes do 25 de Abril, em que fui impedido de continuar a exercer a actividade -, recuperada após a Revolução, vou aqui expressar o meu ponto de vista acerca desta ocorrência que, há que dizê-lo, não deixa nenhuma das partes, entrevistadores e entrevistados, em boa posição.
Devo esclarecer as pessoas de hoje, sobretudo os que nunca tiveram relacionamento com a época que vem desde 1950, altura em que eu entrei na profissão com o nascimento de uma revista que se chamava “Mundo Ilustrado” – haverá pouca gente que se recorde do acontecimento -, que, naquela época, as limitações que eram impostas pela Censura, com o apoio da PIDE, polícia política, que controlava minuciosamente as actuações dos homens da Imprensa, não havia margem para grandes extravasamentos por parte dos que tinham como profissão a difícil arte/ciência do jornalismo. E eu, que tive a oportunidade de seguir instruções de um grande profissional que se chamou Norberto Lopes, aprendi um princípio que nunca abandonei, sobretudo depois da Revolução, em que a Liberdade tinha aberto as portas a um trabalho que só dependia e depende das capacidades de quem dispunha e dispõe de um órgão de Informação para registar as respostas dos entrevistados. E essa regra era e é a de que o jornalista nunca deve expressar uma opinião, por muito que não concorde com as afirmações do entrevistado, reservando-se sempre a pôr as questões e estas baseadas em casos concretos que merecem um esclarecimento por parte de quem se está a ouvir. Sugestões, hipóteses, “ses”, isso não tem de fazer parte do questionário, a menos que esse lado se prontifique a sujeitar-se a um interrogatório do tipo policial que, sobretudo em televisão, não é admissível.
Ora bem, as perguntas que, a certa altura da entrevista, começaram a ser feitas, entraram, verifiquei-o, em áreas melindrosas, as quais dó poderiam ser abordadas com o prévio consentimento do entrevistado e, neste caso, não havia motivo para as não aceitar. Mas, de qualquer forma, mesmo sucedendo que as questões não agradavam a quem se pretendia ouvir, a afirmação, registada em entrevista, de que “nessa área não estou disposto a responder” – o que, em qualquer caso, é já uma forma de contestar -, era motivo suficiente para ser o assunto arredado da conversa.
Mas, pegar nas cassetes que são propriedade dos jornalistas e a sua arma de trabalho e metê-las no bolso, esse acto só pode ter uma classificação: a de desvio de propriedade alheia, burla. E esse acto, sendo praticado por um deputado da Nação, não deveria constituir senão um grave gesto que merece ser denunciado e igualmente penalizado. Tudo o que for feito de forma diferente, só num País como o nosso se encontra e com uma Democracia que, na verdade, ainda se situa muito longe de ser seguida e respeitada, é que se aceita sem penalizações a um gesto como o que um deputado socialista, como poderia ter sido de outro qualquer partido, foi capaz de fazer.
Neste caso, o PS deveria actuar para remediar tamanha vergonha. Pode um dos seus membros não ter capacidade para cumprir a sua obrigação de bom comportamento, mas compete ao grupo político a que pertence interferir para defender aquilo que, por sinal, foram os socialistas que contribuíram para ser instalado em Portugal: a Democracia.

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