terça-feira, 12 de janeiro de 2010

METADE TRABALHA E A OUTRA METADE...



EU QUE JÁ NÃO ME LIBERTO da fama de apresentar maus presságios para o futuro, sobretudo para aqueles que apreciam mais serem enganados do que enfrentarem as realidades para se prepararem e não sofrerem depois surpresas desagradáveis, se tenho de carregar com esse peso pois que não vá mudar agora de perfil, já que a situação, a meu ver, não se apresenta favorável a que cantemos já no poleiro ao anunciar um panorama risonho para os tempos que se aproximam. E, antes que sejam os outros, os de fora, a vir apontar os erros que nós praticamos, pois que essa situação, no que a mim diz respeito, é que eu não desejo, de todo, que suceda, prefiro completamente que a crítica nasça no nosso seio, pois se tivermos a humildade de não esconder os pecados de conduta que são fruto das decisões que são tomadas pelos que por cá têm poder para tal, tanto agora como antes, pelo menos existirá o mérito de reconhecer as faltas e, nessas circunstancias, procurar ir ainda a tempo para introduzir as emendas que são essenciais para mudar de orientação.
E que digo eu hoje? Nada mais nada menos de que o nosso Portugal, que, números redondos, conta com cerca de 10 milhões de habitantes, enfrenta neste momento uma situação que se pode resumir no seguinte: metade da população está a trabalhar para a outra metade. E é precisamente este panorama que faz pensar na frase deixada por Cavaco Silva, na sua mensagem de Ano Novo, de que não deve ser posta de parte a hipótese de poder surgir no nosso País uma “situação explosiva” se não forem tomadas as medidas urgentes para alterar a conduta económica, política e social em que vivemos nesta altura. Lá que José Sócrates venha, com a sua linguagem sonhadora, dando sinais de uma esperança que só contribui para nos mantermos como estamos e nada fazer no sentido de sairmos do “buraco” em que nos encontramos, essa posição é a sua costumada e não há, na maioria da população, muita gente que alinhe por estas palavras.
A atitude imediata e já com grande atraso que tem de ser tomada pelo Governo é o de reduzir drasticamente os gastos públicos, já que aumentar os impostos é hipótese que não tem cabimento no apertado cinto dos portugueses. E o exemplo tem de vir de cima, cortando sem vergonha e com a maior frontalidade tudo que sejam despesas que podem e devem ser evitadas, aceitando a compreensão das figuras maiores da governação que, ao terem de decidir sobre o corte de mordomias evitáveis, o façam com o maior à-vontade e boa disposição e só isso lhes permite que as classes hierárquicas inferiores aceitem cortes que, obviamente, ninguém gosta que sejam feitos. E, a propósito, as empresas públicas ou dependentes de participação de dinheiros do Estado, essa terão se ser as primeiras a reduzir drasticamente as remunerações milionárias que se sabem serem pagas a uns tantos sem vergonha. Porque este tem de ser a expressão a aplicar a tais pouco escrupulosos.
Que o governador do Banco de Portugal, um dos que também usufrui de regalias monetárias que têm de ter fim, venha afirmar que a situação portuguesa é melhor do que a de outros países europeus, só tenho a dizer que mais valia que Vítor Constâncio se incomodasse com a incapacidade nacional de diminuir o défice externo, que atingiu um montante que tem de nos assustar, e que poderia, naquilo que lhe compete intervir, fazer algo para ajudar as empresas que necessitam de ajuda financeira para exportar a preços competitivos e que pense que o que nos vale ainda é estarmos inseridos na zona do euro, pois caso contrário já há muito que a moeda nacional se tinha desvalorizado enormemente.
Em vez dos disparatados e até criminosos projectos de investimentos de grande monta por parte do Estado, todos bem conhecidos por serem tão falados, o que se impõe é que a indústria nacional, em que poderemos ainda lutar para conseguir mercados estrangeiros, essa seja estudada e ajudada por técnicos competentes, por forma a conquistarmos posições para lutar com as concorrências que, vindo até de longe, como a chinesa, por exemplo, não deixam de aumentar a sua aceitação na Europa onde estamos. Que o AICEP – e não me canso de bater nesta tecla – cumpra a sua obrigação, sendo bem revista a forma como está implantada em várias partes do mundo, mas com resultados bem desanimadores, esse é um propósito de que não se vê qualquer gesto parte do Ministério da Economia (em conjunto com o dos Estrangeiros), por forma a dar-nos esperanças de que seremos capazes de sair desta modorra em que os encontramos.
Se nada disso for feito, então, a breve trecho não serão 5 milhões de portugueses a trabalhar para os outros tantos, mas muito mais os que não fazem nada e a receber dos que, cada vez menos, lá vão fazendo alguma coisa.

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