quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

HOT CLUB E NATAL



NÃO HÁ COINCIDÊNCIAS, segundo alguns fazem questão em afirmar. Eu, que não sei nada, prefiro optar pela tese das circunstâncias, talvez por ter convivido, durante um ano, com o filósofo Ortega y Gasset, quando ele aqui se refugiou, amuado com o que estava a ocorrer no seu País pela mão do Franco. Mas isto vem a propósito do fogo ocorrido na madrugada de anteontem que destruiu a cave onde, durante mais de sessenta anos, esteve instalado o Hot-Club de Portugal.
Mas eu explico: nessa altura, conforme também aqui deixei expresso, por ser amigo do dono do Maxime, na praça da Alegria, em Lisboa, ali ia com frequência e, uma noite, assisti a uma limpeza que ocorria numa cave ao lado da referida casa de espectáculos. E, ao aproximar-me para matar a curiosidade, entrei e deparei com um espaço numa cave que me deu logo a ideia de ser algo que se adaptava perfeitamente ao que o meu amigo Luís Villas Boas dizia que precisava para instalar o “seu” clube de jazz. Ele, que tinha sido meu colega de escola primária e a sua mãe até era professora e que morava perto da casa da minha família, foi de seguida informado e, no dia seguinte, fomos ambos bater à porta para, de dia, nos certificarmos de que o sítio servia para o que se prensava. E era. Foi assim, portanto, que ali ficou instalado o local onde passaram tantos amantes daquele tipo de música, portugueses e estrangeiros. E a circunstância de eu ter sido apenas quem descobriu o sítio não influenciou em nada o êxito que o clube obteve ao longo de todos os anos de existência.
Nesta altura de Natal, uma tristeza foi substituída por um contentamento. É que, tendo o fogo acabado com umas instalações que guardavam história, pelo menos já foi anunciado que a Câmara Municipal de Lisboa disponibilizou a sala 3 do Cinema S. Jorge para ali se instalar o que não deve ser mais uma coisa a desaparecer do nosso convívio, sobretudo porque se trata de algo que sempre foi cuidada com enorme carinho e inteiro desapego de lucros por pessoas que se entregarem à causa da música de jazz, seguindo o exemplo do meu querido amigo Luís Villas Boas, que se entregou de alma e coração a uma obra que teve depois muitos seguidores.
Ora aí está um acontecimento que devo considerar como uma prenda de Natal. Foram as tais circunstâncias que me vieram trazer esta alegria que, de seguida, tapou o desgosto de ver morrer o que eu ajudei a criar. Julgo que só o Luís, se fosse vivo, poderia testemunhar este facto, mas também não faço questão de marcar a passagem como acontecimento de grande valia. A outra testemunha e também amigo de muitos anos, o Luís Sangareau, deixou-nos há pouco tempo. Se calhar vão ficando os piores!...

Sem comentários: