sexta-feira, 12 de setembro de 2008

DESENCANTO...POR ENQUANTO!


Ganhei um amigo. Inesperadamente. Caído do Céu. Apareceu-me com mansidão. Observando-me para tirar dúvidas. Via-se no seu olhar um certo ar interesseiro. Encostou-se a mim. Deu uma vista de olhos pelo ambiente que o rodeava. Pareceu não lhe desagradar. Sentou-se, Cheirou-me e deu ao rabo.
Pois é isso. Foi um cão que se aproximou da mesa do exterior do café onde costumo escrever. E, nessa manhã, já pouco fiz, porque o Fidel, nome que lhe pus por minha conta, por ter acabado de ler que o ditador cubano tinha adoecido. E Fidel dá para nome de cão, por representar aquilo que é característico desse animal – a fidelidade.
Mal me sentei e estendi sobre a mesa o material da escrita, senti que algo fungava junto às minhas pernas. Era ele. Grandinho, de pelo acastanhado claro, com uma mancha mais escura no peito e sem coleira. Não teria dono, deduzi.
Nesse dia, não sendo meu hábito, estava a mastigar um desses bolos de arroz, que enchem e são honestos de fabrico. Reparti um pedaço com o meu inesperado companheiro e verifiquei que lhe tinha sabido bem. Acabei por ficar eu com a mínima parte.
Dediquei-me ao meu trabalho e constatei que o Fidel se deitou ali ao lado. Volta não volta levantava uma pálpebra e confirmava que eu estava no mesmo lugar. Mirava-me, o malandrão. Ganhou, com isso, uns carinhos, que aceitou de bom grado. E ficou por aí o relacionamento.
Na manhã do dia seguinte, mais ou menos à mesma hora, aproximei-me do meu poiso habitual. E qual não foi o meu espanto, quando contemplei o Fidel deitado precisamente no mesmo sítio onde tinha estado na véspera. Mal me viu aproximar, levantou-se com rapidez e veio ao meu encontro, dando depois uma volta e encaminhando-se para o lado da mesma cadeira do dia anterior.
Não podia acreditar em tamanha sagacidade. Claro que a sua apetência era a do bolo de arroz. Por isso, com o café encomendei um desses roliços doces. E já sem preocupação de repartir, regalei-me a vê-lo apreciar o petisco. E o cachorro voltou a estender-se ao lado da minha cadeira.
Esta cena passou a repetir-se diariamente, à mesma hora. E, de tal forma, que já saia de casa a olhar para o relógio. Não fosse atrasar-me! E, caso curioso, esta amizade, mesmo interesseira, fez bem à minha imaginação. Deu a impressão que aquela dedicação com horário me transmitia maior sensibilidade e uma certa condescendência com a maldade dos homens. Só me vinha à cabeça atitudes humanas que nem por sombras eram comparáveis à dedicação canina.
Porém, este bem-estar não durou mais do que escassas duas semanas. Um dia, procurando de longe, como sempre fazia, o aparecimento do Fidel, dei por mim com alguma ansiedade. Não apareceu. Fiz o que tinha de ser feito, perguntei à volta se tinham visto o meu amigo. Ninguém tinha ideia. E esperei por ele até à hora do almoço.
Voltei à tarde, não fosse o companheiro ter trocado as horas. Repeti a busca em dias seguidos, sem resultado. Até que um vizinho do café, mais atento, me deu a informação que eu tanto temia: o Fidel tinha sido apanhado umas noites antes pelo carro da Câmara.
Não me fiquei. E dirigindo-me ao canil municipal, ainda acalentei a esperança de ir a tempo. Não foi fácil, mas lá consegui a informação, seca e dura, de que a “cãozoada” tinha sido toda morta na véspera.
Não consigo descrever o que senti. Tinha perdido um amigo. De recente data, é verdade, mas que me deixou profundas marcas. E, inevitavelmente, pus na balança o homem e o cão. Cada um no seu prato. E lembrei-me de Auschvitz, dos fornos crematórios dos seres humanos e, inevitavelmente, fiz a comparação. Se o homem é capaz de actuar daquela maneira com o seu semelhante, que lhe custa dar desbasto a uma porção de canídeos? Se, nos matadouros, os animais, que depois são comidos, giram pendurados num gancho por uma perna e de barriga aberta, que diferença faz acabar com a vida de uma dezena dos nossos melhores amigos?
Cada vez mais me aproximo do vegetarianismo. Falta-me é coragem para arredar das refeições as iguarias proporcionadas pela gastronomia animal.
Sou, por certo, um malvado. Não tenho o direito de criticar os outros, os que maltratam os irracionais, se eu os como! Que falta de caridade!...



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