sexta-feira, 6 de junho de 2008

PITEIRA SANTOS E ALEGRE




Já que estou numa fase de referir acontecimentos que se passaram comigo - alguns, claro, os menos comprometedores - e falei em duas figuras de grande destaque do nosso ambiente político que fazem parte do meu imaginário e pertenceram ao meu convívio, considero oportuno referir-me ainda a Fernando Piteira Santos e também, de novo, a Manuel Alegre. O primeiro, com grande desgosto o refiro, já longe do nosso convívio e o segundo, que goza do privilégio de se mexer e bem, com a idade e com o prestígio que lhe pemitem até cometer algum que outro deslize. Mas sempre igual a si mesmo.

Quanto ao Fernando, conhecemo-nos por volta do ano de 1952, quando surgiu em Portugal um brsileiro que se anunciava como mandatário de um grupo oriundo do Brasil que pretendia lançar entre nós uma revista cujo estilo era inédito por cá. Uma publicação a cores que focasse o tema da vida em sociedade, no campo das modas, dos lançamentos de produtos, das viagens e, no meio de tudo isso e um pouco à socapa, também mostrando o estilo de vida que se levava em Portugal, com o cuidado necessário para que a Censura se deixasse iludir pelo género ligeiro da revista. Chamar-se-ia "Mundo Ilustrado" e o director já escolhido pelo brasileiro, com a esperteza suficiente para ser alguém aceite pela Censura - que tinha sempre de dar o seu aval a tal responsável -, era o Norberto Lopes, jornalista conhecido, então chefe de Redacção do "Diário de Lisboa", amigo pessoal do ministro do Interior da época Trigo de Negreiros mas, apesar disso, não conotado com a situação política da época. Era o que se chamava, para além de grande profissional e de indiscutível mestre dos neófitos dos jornais, um profissional à moda antiga, daqueles que ainda trazia o almoço numa pasta e na lancheira, que comia logo que a edição do "Diário de Lisboa" saia para a rua, o que se passava por volta das 14 horas.

No caso do Piteira Santos, que eu acabara de conhecer, soube que aceitou o cargo de chefe de Redacção do "M.I." e que tinha saido naquela altura do Partido Comunista, numa guerra que não vem aqui ao caso referir e que bem poucos conhecem os verdadeirios motivos da recusa de Álvaro Cunhal em ter como camarada um intelectual da craveira superlativa que lhe faria grande sombra no Partido. Mas há várias verdades a pretender confirmar este caso.

A minha participação ficou a dever-se à casualidade de estar a dirigir a secção de publicações estrangeiras da Livraria Bertrand, em que mantinha grande contacto com o meio jornalístico e de escritores daquela época - nunca esquecerei o muito que aprendi nas lições que ouvia de Aquilino Ribeiro, no Café Chiado de então -, e, por esse motivo, entrei no grupo do brasileiro e passei a acumular trabalho, tanto da Bertrand como na Revista.

Mas deixemos passar os anos, vários, e a minha actividade jornalística seguiu o seu caminho, ora na Imprensa existente - e foi vária - ora por iniciativa própria com jornais e revistas que fui criando, sempre procurando equivar-me à Censura que tudo fazia para me criar impedimentos.

Pois foi numa dessas ocasiões, em que eu tinha criado e dirigido uma publicação que tinha o nome, propositadamente de ar capitalista, que se chamava "Mundo Financeiro". Durante todo o meu percurso, que foi extenso, o Fernando Piteira Santos sempre me foi acompanhando, melhor dito ajudando, com a sua sensatez e o seu saber.

Até que um dia de semana, por volta das 4 horas da tarde, surge-me ao telefone a sua voz. Pedia-me ajuda.

Nessa altura tinha um velho carro, mas que se portava bem. Lá fui ver o que ocorria com o meu Amigo. Fi-lo entrar na viatura e fomos para Monsanto para pôr a conversa em ordem e em sossego.

De que se tratava? Nada mais nada menos de que ele, que residia na rua Frei Amador Arrais, uma transversal com a avenida de Roma, ao dirigir-se a casa conseguiu ver à distância um agente da PIDE que ele já sabia que o andava a perseguir. E cheirou-lhe logo que daquela não passava! Que fazer então, naquelas circunstâncias?

Acontecia que eu, naquela época tinha conhecido casualmente uma senhora, muito entroncada com o que hoje se chamaria de "jet set", mulher divorciada e com posses, mãe de filhos já mais velhos do que eu, mas que se tinha metido na cabeça que eu poderia fazer parte do seu naipe de amores. E tudo tinha feito para me convencer do que dizia ser a sua "paixão". E, numa das suas fúrias amorosas, levou-me, com ar ingénuo, a ver um apartamento que tinha vago alí para os lados do aeroporto de Lisboa.

Pois, em tão aflitiva situação, não me veio à cabeça outra coisa que não fosse tirar partido da oportunidade que me tinha sido oferecida. E, arrepelando-me todo pela falcatrua a que tinha que deitar mãos, comuniquei com a quela minha amorosa perseguidora e propus-lhe aceitar o seu amoroso convívio a troco de me deixar ficar um amigo que estava em dificuldades (não lhe disse quais) e, logo depois da sua partida, então chegariamos a vias de facto.

Desconfiou. Estranhou eu dar coito a um amigo. Não seria uma amiga? Soube mais tarde, porque o Fernando contou-me o episódio por correspondência que me chegava via Paris, que a mafarrica chegou a ir bater à porta para se certificar se não seria uma fêmea que eu lá tinha colocado. Quanto a este assunto, não cabe aqui acrescentar mais qualquer pormenor.

Basta que diga que, por me ter desinteressado daquele drama amoroso logo que o Fernando partiu para a sua aventura polítca, a infeliz criatura, que era amiga de um inspector da PIDE, tendo-me obrigado a contar-lhe alguns pormenores da personalidade que eu tinha protegido no seu apartamento, denunciou-me. E isso custou-me a cadeia, com prolongamento doloroso para me obrigarem a denunciar o local para onde o Piteira Santos tinha fugido, o que eu , naquela altura, desconhecia, pois ele apenas me deixou, repentinamente, um bilhete reduzido a 2 linhas, em que informava que, logo que possível, me informaria de tudo.

Meses depois e, a partir daí com alguma regularidade, passei a receber correio dele dentro de um sobrescrito que era metido num outro maior, que uma companheira de Paris me fazia chegar. E as respostas seguiam a mesma norma. As coisas a que as perseguições políticas nos obrigavam a recorrer e que hoje, os que passaram a usufruir das regalias do 25 de Abril - já lá vão 34 anos, mais uns tantos que são necessários para dar maturidade aos cidadãos - não têm a menor ideia, foram, de facto, de estilo cinematográfico.

Mas, falando de Manuel Alegre, volta não volta lá surgiam notícias, via Piteira, do seu companheiro que também tinha escolhido a Argélia para seguir o seu caminho político.

Por aqui, os que tiveram paciência para seguir este episódio, retirado de um montão de acontecimentos que qualquer de nós dessa época e que não andámos indiferentes às ocorrências políticas tem para relatar, podem ficar com uma ideia do que foi então a nossa vida.

Fazem-se hoje greves? Há, por aí, uns vários gritadores de direitos dos que se chamam democratas. Eu, por mim, que sempre fiz questão de não utilizar andas pra que me vissem bem alto, chego a esta altura, assisto às comendas que são distribuidas às dúzias por tudo que faz barulho (retiro as merecidas excepções) e, sentado no meu computador, vou enchendo blogues... Que mais posso fazer?

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