terça-feira, 8 de abril de 2008

Uma vida difícil (20)


(continuação)


Mas lá nasceu do nada e tem-se mantido, mesmo que, assados tantos anos, não me apeteça nem passar à porta. Foi uma etapa da minha vida. Não tem de fazer parte do meu curriculum. E, atrás dessa tarefa, nasceu o restaurante “Cota d’Armas”, em Alfama, que foi considerado na época como um dos estabelecimentos de restauração mais conceituados e cuja direcção ficou a pertencer à minha Mulher Filipa, já então considerada uma técnica gastronómica de primeira água.
Corria bem o negócio, e lá se ia pagando o investimento, todo ele feito a crédito. O bom acolhimento, junto das classes ricas, deste restaurante com tão bonita decoração fez com que a afluência fosse sempre boa e que, na área do turismo, por influência dos hotéis de categoria de Lisboa, se verificasse uma boa aceitação.
Até que se deu o 25 de Abril e foi então que a “moda” das ocupações pelos empregados, das empresas onde trabalhavam, se pegou também ao Cota de Armas. E foi assim que aquele empreendimento não foi mais além. Com a influência “revolucionária” que se alastrava, passou para as mãos dos ditos empregados aquilo que exigia uma gestão muito cuidada e especializada. Também, verdade seja dita, já não era altura para poderem singrar negócios que estivessem instalados na área do capital. Outros restaurantes do género, como o Tavares, O Aviz e mais alguns sofreram quebras de actividade visíveis.
Da minha parte, havia que recomeçar vida. E a Revolução trazia-me a oportunidade de regressar à minha actividade de antes. No jornalismo. E foi assim que me dispus a deitar mãos à obra, agora sem PIDE e sem Censura, e tinha ficado anulada a proibição de que tinha sido vítima de exercer a profissão que tinha abraçado desde novo. Surgiu-me então o Nuno Rocha, temeroso como andava de vir a sofrer as consequências de ter sido um beneficiário do SNI e do Moreira Batista, e que, necessitando de ter as "costas quentes" com alguém que, pelo contrário, tinha sofrido as agruras da ditadura, me convidou para ser co-fundador do semanário "Tempo", vindo a exercer, durante cerca de um ano, as funções de director-adjunto. Mas, na realidade, não podiam ser compatíveis duas concepções do livre exercício do jornalismo e a minha incompatibilidade política e outras com Nuno Rocha não podiam permitir que continuasse a exercer as funções de co-responsável daquele jornal. Acabei, por isso, em 1976, por criar, com o maior esforço e sem o mínimo apoio de qualquer espécie, o semanário "o País", que ainda hoje é recordado pela sua independência política e pela verdadeira defesa dos princípios democráticos, sobretudo porque não tinha nenhum grupo económico a suportá-lo. Mas a sua história fica para contar um dia se, realmente, valer ainda a pena, sobretudo levando em conta que a esmagadora maioria dos jornalistas que, após a Revolução, surgiram com o epíteto de "revolucionários", antes tinham sido cúmplices do status quo político, ao contrário do que tinha sucedido comigo.

(continua)

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