terça-feira, 8 de abril de 2008

BEM LONGOS ANOS

Bem longos anos já por mim passaram
tantos que a memória ficou confusa
alegrias, desgostos se afogaram

O julgar dos factos pede escusa
pois hoje muita coisa já perdoo
e tenho de pedir ajuda à Musa

Não serei nem santo nem abençoo
aqueles a quem fiz o bem possível
de igual modo não o apregoo

Resigno-me com o que é visível
um mundo pleno de ingratidão
pois há que conviver com o horrível

Antevendo o fim da estação
não muito longe, andará por perto
coloco na consciência a mão

ao aceitar o que está mais certo
já quase nada valerá a pena
o futuro já é um livro aberto

e ao ter de abandonar a cena
quem cá fica que diga o que quiser
fará a História sem verdade plena

Ao ler Bocage, homem que sofreu
tem-se a prova que depois de morto
os de cá o levam ao apogeu

Quem até lá viveu no desconforto
versejando para ganhar a vida
sem conseguir em vida um bom porto

fazendo poesia atrevida
mesmo com pouca ajuda dos amigos
chegou cedo à hora da partida

E são estes exemplos bem antigos
que hoje se repetem mundo fora
sendo a clara prova dos castigos

praticados antes, também agora
porque o ser humano é o mesmo
e é muito ingrato a qualquer hora

Todos os anos passados a esmo
a contemplar o que o Homem faz
fazem-me acreditar que há abantesmo

que persegue aquele mais audaz
vindo da indigência mediana
e que nas artes se tornou primaz

lembrando que pr’além da Taprobana
só passa quem tiver coração forte
de um génio a mandar mão humana

Esforço-me p’ra encontrar o Norte
mas sem bússola e sem passaporte
perco as ilusões, pois só vejo a morte.

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