Oiço frequentemente e leio também muitas vezes este tema. O do esvaziamento de muitas aldeias do interior do nosso País. A juventude foi saindo para outros destinos mais dinâmicos, para o litoral português, para cidades e até para o estrangeiro. Ficaram somente os velhos. Porque esses, ainda que sem perspectivas e ao mesmo tempo não tendo para onde ir nem prazer em deixar os locais onde nasceram, viveram e ainda vivem há um ror de anos, preferem o desconforto ao modernismo comodista. Já não têm idade para aventuras.
Viver com o cheiro da vaca e do burro que sai do andar térreo, ir às folhas para alimentar os coelhos, espalhar milho pelo galo e pelas poedeiras, acender à noite o candeeiro de petróleo – porque a electricidade, largamente prometida, pelos políticos, ainda não chegou -, o recolher com as galinhas e usar o colchão ali pertinho da fornalha, isso depois de ter sorvido o caldo das couves que foi preparado para todo o dia, atravessar assim uma existência é uma rotina de dezenas de anos que os novos não entendem nem aceitam já o que para os idosos constitui a felicidade do sossego.
Então os computadores? As novelas da televisão? Os filmes? Os telemóveis e a sua dependência? As discotecas? Quase tudo isso não faz parte da existência nas profundezas do interior do País. Se bem que haja forma de substituir algumas facilidades que a modernidade permite, o isolamento deixa os jovens noutro mundo. Mesmo os que ainda conseguiram apanhar as escolas primárias em funcionamento, desaparecidas muitas delas hoje por insuficiência de alunos, logo que lhes foi posta a questão de seguir para o ensino secundário, aí não existia outra forma que não fosse o partir para a cidade, a quilómetros de distância, onde essa via de aprendizagem existisse. No caso seguinte, o da possibilidade de prosseguir o estudo num curso superior, então aí o afastamento era o caminho certo. Era e foi. Ficou instituída a desertificação.
Mas houve outras razões para deixar para trás a terra dos avós. A emigração, que teve início em épocas bem difíceis, que era “a salto” que se chegava à Europa, ou através de carta de chamada de parentes que já se encontravam nas Américas. Para a África de língua portuguesa era mais fácil obter autorização de partida.
Essas saídas do País, primeiro o homem e depois a cara-metade, que os filhos, quando já os havia, seguiam posteriormente, tais deslocações eram feitas na perseguição de sobrevivências melhores do que as tidas na própria Pátria. Os idosos, cheios de saudades, permaneciam onde sempre tinham estado. Cuidando das terras de que ficavam ainda donos, dos bichos e das casas de pedra que, por serem disso mesmo, resistiam ao passar dos anos.
De vez em quando, já estabelecidos lá fora, numas férias lá vinham todos ver como estavam as coisas. E as divisas, que iam enviando regularmente, acumulavam-se para construir casas novas, normalmente num estilo “emigrantino”.
Só que os filhos, especialmente os nascidos já lá fora, bastante integrados nas colónias dos países de acolhimento, falando com os colegas as línguas adoptivas, embora mantendo o idioma pátrio no relacionamento com os pais, foram espacejando, cada vez mais, as visitas ao torrão de origem familiar. Era o desenraizamento da nascença e, com isso, o esvaziamento do interior lusitano.
Como evitar tamanho emagrecimento populacional de um País? Pelo contrário, o que se encontra a rebentar pelas costuras de população, de viaturas, de competição de todos os tipos, são o litoral e as cidades portuguesas, pois são locais que sofrem do excesso. O resto, o que é constituído pelas belas e características terras do interior, quase sempre com deficientes meios de comunicação, essa mancha cada vez mais profusa de povoações, vai sofrendo as agruras do abandono..
Que fazer? É impensável obrigar a deslocar gente de um lugar para outro, assim sem mais. Não se criando condições de progresso que altere o estilo de vida para muito melhor, sem proporcionar trabalho e alojamento que sejam apetecíveis, ninguém está disposto a meter-se em aventuras. Para o estrangeiro, isso é uma coisa tentadora, por muito arriscado que se torne partir para o desconhecido. Mas, cá dentro, do litoral para o interior, das cidades para os campos, sem ser em passeio, isso será pedir muito. Ninguém está disposto.
É verdade que já se operou a experiência de instigar a vinda de grupos de brasileiros para ocuparem uma povoação esvaziada de portugueses que lá viviam antes. Tratou-se de mão-de-obra que era necessária naquele local, muito embora a qualificação das famílias que chegaram fosse superior à dos portugueses que lá viviam antes. Não se apurou ainda se esta experiência poderá proliferar. Seja como for, o que não se pode esconder é este tipo de casais emigrantes deseja, tal como lhes sucede nos seus países de origem, aumentar as suas famílias, o que quer dizer que, sendo a Europa um Continente apetecido, irá suceder que, dentro de alguns anos, de Oeste a Leste europeu se dará um câmbio de grande dimensão de raças, culturas, religiões e, o que não é importante, de cores de pele.
Quem cá estiver terá de enfrentar tamanho problema. Eu já não serei certamente.