Se eu não escrevesse o que faria?
Se não pudesse passar ao papel
o que arde dentro e faz azia
seria de mim próprio infiel
estoirava
acabava
guardar só p’ra mim sem desabafar
recalcar no fundo as amarguras
já porque quem não gosta de falar
nas letras se vinga e nas pinturas
Quem escreve debita desalentos
em texto simples ou mesmo poemas
é uma forma d’abrir sentimentos
e igualmente de quebrar algemas
libertar-se
superar-se
no dia em que deixar de escrever
quando vier a sentir-me incapaz
é então a hora de perceber
que o que resta nada me traz
melhor é partir
deixar de existir
e quem cá ficar que faça as contas
que julgue os que primeiro partiram
e se conseguir que agarre as pontas
dos que quiseram mas não conseguiram
São assim os alcatruzes da vida
sobem p’ra encher descem e despejam
mesmo aqueles que passam de corrida
sem tempo que chegue p’ra o qu’almejam
mas génio mostram
mais tarde gostam
depois de cá não estarem p’ra ver
e de não lhes chegar a admiração
não tendo já por isso o prazer
de merecer especial menção
Enquanto por cá eu puder pensar
e possa escolher o que mais gosto
ao menos que não tenha de guardar
p’ra mim e tenha de esconder o rosto
envergonhado
culpado
por isso o qu’escrevo, o que pinto
melhor ou pior é para mostrar
porque o que deixo é bem o que sinto
outros que guardem ou queiram queimar
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