sábado, 31 de julho de 2010

DESENCANTO POR ENQUANTO!...


Quem nunca teve bens materiais que valessem a pena, quem sempre lutou pelo Pão Nosso de cada dia sem ter gozado de abastanças, ainda que tenha podido desfrutar ocasionalmente de algumas mordomias que lhe foram proporcionadas, é natural que tenha aspirações a não morrer sem antes ter a sorte de lhe sair, em qualquer lotaria, um prémio pecuniário chorudo.
Claro que os ricos, os que já têm bastante, esses não desprezam um aumento substancial das suas fortunas. Dinheiro nunca vem em excesso, dirão. E a única diferença é que, quando arriscam um verba ainda que elevada nas apostas, utilizam a expressão “investir”. Os pobres e mesmo os remediados, os que contam as moedas na carteira, limitam-se apenas a tentar a sua sorte, com o lema de que “se tiver de sair… sai!”.
Pensando apenas nos que não têm nada que se veja, no cidadão corrente que vive condicionado a um montante mensal certo, ao que administra, ele e a mulher, geralmente até ela, aquele contadinho que não chega para dar um passo fora da linha, que a custo dispõe de uns trocados para tentar a sua sorte numa dessas lotarias que, quando sai e toca só a um, é coisa que se veja, tendo essa figura como modelo de imaginação, pode-se deduzir a mudança radical que se produz na sua vida. Será que a inundação de dinheiro a quem não está habituado a tanta fartura, que não soube nunca o que era ter para lá do mínimo, ultrapassada a alegria eufórica do momento da notícia inesperada, persiste sob a forma de felicidade?
Não ter problemas no gastar, não fazer contas na altura das compras, extasiar-se com tudo o que vê e que pretende adquirir, ter finalmente o carro dos seus sonhos, mudar de casa, deixar de trabalhar, aproveitar as excursões organizadas, comer a tão ambicionada lagosta, fumar do mais caro, ir visitar um parente que não vê há anos e que emigrou para longe, dar a volta a todos estes desejos que nunca pensou poder um dia satisfazer, tudo isso ultrapassa. Mas, e depois?
Passado o período da experimentação, de sensações novas e, por vezes, até antes disso, não é difícil imaginar que começam a surgir os contratempos impensáveis na época das vacas magras. As choramingas dos familiares, vizinhos e mesmo vagamente conhecidos, as propostas de negócios mirabolantes que surgem, sem se perceber bem de onde, deixam a cabeça dos chamados sortudos em bolandas. Mesmo usando óculos escuros, agora de marcas refinadas, saindo de casa de fugida, analisando cuidadosamente quem se encontra nos arredores antes de regressar ao lar, não atendendo o telefone que passou a retinir repetidamente, retirando com enjoo os maços de correio que todos os dias encontra na caixa e que prefere não ler, tudo isso são consequências de ter passado, de um dia para o outro, de pobre a rico.
E os filhos, antes tão dóceis, cumprindo sempre os seus deveres, que deixaram de ser tudo isso e passaram a apresentar exigências?
E a saúde, que tinha sido razoável até então, e de repente, deu mostras de não estar tão segura? A ida frequente aos médicos, o cuidado com exames complicados e caros, a compra excessiva de medicinas que se vão acumulando meio usadas nas prateleiras, o interesse em conhecer especialistas no estrangeiro que anunciam curas aos que podem pagar, tudo isso passa a fazer parte das preocupações dos novos ricos.
Dizia-me uma vez um homem que gozava de grande poder financeiro pessoal que lutava com um grande dilema: que não sabia se as pessoas que o rodeavam e pareciam ser companheiros fiéis, o faziam por serem seus amigos ou simplesmente porque ele era rico. E essa angústia persegui-o sempre, ao ponto de evitar relacionar-se com novos conhecidos. Preferiu o isolamento. Era um infeliz!
Pergunta-se então: onde está a felicidade? Provavelmente naquele que tem a coragem de se desfazer dos excessos de bens. De distribuir pelos que precisam. Mas como em tudo em que entra a mão do Homem, como não é humanamente possível que seja o filantropo, ele próprio, a actuar pessoalmente e a controlar o que pretende distribuir pelos necessitados, tem de confiar em organizações, em grupos que se prestam a cumprir honestamente a missão de repartir. Será que adquirir mantimentos num continente e enviá-los para outro distante, incluir nessa complicada operação múltiplos operadores, não acaba por beneficiar muita gente que não tem a ver com a miséria que se pretende diminuir? E até vai contribuir para encher os bolsos de quem já tem muito?
Por isso, dar, ser generoso, dividir com quem necessita dá trabalho. E preocupação. Se não for assim é um acto apenas de propaganda – porque geralmente essas atitudes são propagadas -, de alguém que não está disposto a ter maçadas. Não tem valor.

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