sábado, 10 de julho de 2010

ODE À MORTE


Do que todo o ser tem medo
é o mais certo afinal
porque mais tarde ou mais cedo
ela surge tal e qual
rápida ou demorada
mesmo não sendo por mal
cara aberta ou disfarçada
no fim deixa o seu sinal

Mas porquê receio dela
só aparece uma vez
é certo que não é bela
mostra-se com altivez
mas também é salvadora
de sofrimentos atrozes
quando chega a sua hora
não atende quaisquer vozes

Eutanásia sua amiga
se não está proibida
compaixão a isso obriga
quem não tem outra saída
e acidente fatal
que calha a qualquer um
sendo resultado mortal
não há mais sítio nenhum

Se o homem pensasse bem
naquilo que tem mais certo
que depois não há mais vem
que destino não é perto
comportava-se melhor
enquanto por aqui mora
que a vida é uma flor
e a morte é um ir embora

Morte, morte não te ligo
quando quiseres aparece
morrer não é um castigo
pode ser uma benesse
estando farto de viver
até há quem a apresse
e estar perto de morrer
não há muito que o confesse

Cantemos, porém à morte
façamos essa justiça
é tornando o fraco forte
que mesmo sem haver missa
e com simples oração
deixamos ela levar
dos homens um nosso irmão
pond’outro no seu lugar

O homem tem essa arte
não quer ficar a perder
por cada um que parte
outros estão a nascer
a morte leva os que sobram
mas muitas vezes se engana
não são só os que soçobram
que interessam à fulana

De repente lá se morre
nem todos ela protege
quem anda no corre-corre
não tem vida que se inveje
por isso sem muita pressa
fazendo com calma tudo
até que o corpo arrefeça
e passando a ficar mudo

Não dizer mal da morte
dos ossos e da caveira
é ser-se até o mais forte
e mostrar boa maneira
o melhor é aceitá-la
como coisa natural
levando-a sempre na mala
pois ninguém é imortal

Se a morte não existisse
se tudo cá fosse eterno
imagine-se a doidice
o que seria este inferno
velhos, sim, é bem preciso
com saúde e alegria
mas novos maus dar sumiço
se não têm serventia

A morte faz o que deve
de certa forma o que pode
deixa este mundo mais leve
merece bem esta ode
eu não lhe tenho rancor
aceito sua altivez
mesmo não lhe tendo amor
cá espero a minha vez

Há quem consiga vencê-la
os que ficam assim pensam
bem vivos depois de vê-la
é fácil que se convençam
na cama de um hospital
vê-la passar de mansinho
a preparar funeral
que pode vir a caminho

Milagre da medicina
atrasa essa partida
pode ser a mão divina
que retardou a saída
ou será que a morte quis
mostrar que tem sua escolha
e feliz ou infeliz
de novo à vida se acolhe

O desistir de viver
é opção de cada um
quem comanda é o querer
e ter da vida um fartum
porém o não estar de acordo
pode ser que a morte pense
e não receber a bordo
quem a ele não pertence

Quem se indignar com isto
d’eu elogiar a morte
é não aceitar que Cristo
que também teve tal sorte
com todo o saber que tinha
podia acabar com ela
não a fazendo rainha
sentada numa estrela

Não, não julguem que é conluio
um acordo com a morte
que desta forma influiu
p’ra poder gozar da sorte
pois é tudo diferente
eu já tenho a minha conta
e perdi dose de crente
por isso pus-me na ponta

Andando estou sentado
para não m’afastar muito
e nunca sei se ao meu lado
lá estará com certo intuito
o que me pega na mão
e me apresenta à desdita
e só descubro se o caixão
s’encaminha p’ra desdita

O lume, a solução
tão temido tempos antes
hoje boa opção
dispensa participantes
do nada parte p’ró pó
é assim o ser humano
que isso do faraó
é coisa de gente insana

Fazer a cova na terra
lá meter o ente qu’rido
perder o que lá s’encerra
anos depois alarido
ao tirar ossos da cova
colocá-los em caixinha
fazer cerimónia nova
com mais uma ladainha

Aí, já morte se foi,
não lhe pertence o serviço
não constrói nem destrói
já não tem nada com isso
e a família distraída
quantas vezes perde o norte
e os parentes em vida
entregam-nos à pouca sorte

É que os covais das ossadas
parecem os d’Alemanha
nos tempos das malfadadas
e criminosas façanhas
sem saber a quem pertencem
alí se põem a monte
tal trato não merecem
e não há ninguém qu’as conte

A morte pois não culpemos
por nos levar quem amamos
quantas vezes não fazemos
aquilo que proclamamos
ajudando quem precisa
com bom gesto que se faça
a palavra paralisa
em má hora de desgraça

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