sábado, 19 de junho de 2010

PARTIU SARAMAGO


JOSÉ SARANAGO, aos 87 anos, fartou-se de andar por cá. Sim, porque seja qual for o apreço ou o contrário que uns tantos tenham tido pelo único Prémio Nobel da Literatura que conseguimos registar nos nossos livros de honra, a verdade é que se tratou de uma personalidade nacional que, como algumas poucas outras, levou o nome de Portugal a ser proferido por esse mundo fora.
Não se trata de, como é um radical hábito lusitano, depois de mortos considerarmos todas, até os grandes malandros, como “ao fim e ao cabo não era até má pessoa!”. Nada disso, é preciso que fique bem claro. E eu, com a maior independência e com absoluto sentido de razoabilidade, não pretendo deixar passar na obscuridade do meu interior aquilo que penso de um homem que, tendo sido muito discutido - e tenho de referir-me exclusivamente à sua escrita -, foi também uma figura que conseguiu implantar-se, enfrentando um vasto leque de azedumes em relação à preferência política que exibia e que deixou uma má imagem quando, depois do 25 de Abril, ocupou o lugar de director do “Diário de Notícias”, tendo despedido um grande número de jornalistas que não davam mostras de serem partidários daquela corrente.
Mas esse péssimo momento do ser humano mal comportado, não pode obscurecer o que mais importa analisar e que é o valor que alcançou na área literária. Embora se mantenha ainda uma larga camada de leitores que considera bastante “amaçarocada” a sua escrita em livros, ou seja, nunca tenha ficado explicada a razão por que o autor em causa desse mostras de tanto odiar o uso de parágrafos e desprezasse o emprego de pontuação, tal como as maiúsculas e minúsculas nos nomes, castigando os leitores com a decifração do que eram perguntas e respostas, não terá sido por isso que, ainda que como forma de graça, se dissesse nas tertúlias das livrarias que Saramago era o escritor mais vendido… mas o menos lido! Tratou-se, sem dúvida, de uma crítica proveniente de ambientes invejosos.
Como sempre sucede, agora que já não podemos contar com ele para vermos ressurgir obras novas (excepto as que, por ventura, se encontrem ainda em gavetas de familiares seus), o mais natural é que apareçam reedições em série e que comece a ser entendido o seu estilo antes criticado, devido à intervenção clarificadora de pareceres literários que se debruçarão sobre o Nobel desaparecido, tirando dúvidas aos que se queixavam de que não conseguiam passar da página 40 dos suas diferentes obras.
Eu, que nunca quis desistir da leitura até ao fim de cada volume, porque, tal como faço com a gastronomia, que para dizer que não gosto sou forçado a provar e até a degustar o suficiente, reconheço que, sem paixão e, por vezes, com alguma dose de teimosia, sempre procurei encontrar justificação para o Nobel que lhe foi atribuído, se bem que leve em conta a justificação de que os júris do Prémio não lerem, em muitos casos, os originais, pois são as traduções que são utilizadas para a respectiva apreciação e mais pelos conteúdos do que propriamente pela forma linguística utilizada.
Seja como for, o que há que reconhecer e respeitar é o papel criativo que José Saramago desempenhou e continua a representar na lista honrosa dos Prémios Nobel, o que tem como resultado colocar o nome de Portugal na mente de um grande número de cidadãos do mundo. E, por muito que existam outras referências que até se sobreporão largamente aos que se situam nas áreas criativas, tais como, no nosso caso, a Amália, o Eusébio e agora, até mesmo Cristiano Ronaldo, não é justo que não prestemos a devida homenagem a quem, por não se situar na zona dos milhões de apreciadores, deixe de constituir exemplo honroso que glorifica igualmente Portugal.
Já que as circunstâncias em que nos encontramos nesta altura não sejam de molde a criar um ambiente que nos envaideça como cidadãos deste País, pelo menos que aproveitemos os raros acontecimentos que obrigam alguma parte do Planeta a ouvir falar com respeito da nossa Terra.

Sem comentários: