segunda-feira, 16 de junho de 2008

DESENCANTO...POR ENQUANTO!


Isto que eu arrasto desde criança pode chamar-se vida? Ou tenho sido eu que não a terei sabido levar? Que me conformei em vez de lutar contra o que se chama de destino?
Nasci de família remediada; pai com trabalho e salário seguro, mãe económica e de boa cabeça e enorme coração, sem qualquer tipo de extravagância levava-se, lá em casa, um dia-a-dia que se poderia à época considerar normal.
Fui baptizado como era costume na altura, isto é, sem necessidade de ser fervorosamente crente o nosso aglomerado famíliar Mas entrei no corredor dos costumes que levava a miudagem a frequentar a catequese e a ir à missa das onze, aos domingos, na paróquia lá do bairro. Não sei como, mas escolheram-me para pôr a opa vermelha depois de ter feito as comunhões da praxe e até o crisma. Cheguei a ajudar à missa, dita em latim…
Hoje recordo que sempre considerei um sacrifício aquelas cenas prolongadas de joelhos no altar frio da pedra, ao lado do pároco, E logo que me estreei no exercício do pensamento por minha própria iniciativa e a poder discordar, sem ser em surdina, de determinadas posições que as religiões tomavam, começando pelo próprio catecismo da Igreja católica tal como me foi ensinado em criança, decidi que Deus não podia ser aquela figura castigadora, sempre atenta ao que se chama e chamava de pecados, que só exigia e continua a exigir cumprimento de dogmas sem esclarecimento de posições francamente discutíveis e sem dar ocasião a que se duvide, sequer por um momento, pois foi nessa altura, quando comecei a observar a riqueza escandalosa que as igrejas ostentavam, especialmente a que se observa no Vaticano em que, na minha meninice se assistia aos passeios do Papa de cadeirão aos ombros de homens, assim como o que se passava noutros locais ligados a diferentes credos, com total indiferença perante a miséria mundial que existe por esse mundo fora. Foi então que deixei de praticar esse exercício da indiferença. Foi ao ter de aceitar, por imposição alheia, um Deus, seja qual for o nome que lhe dêem, que decidi pensar por mim próprio, não alimentando uma ideia sequer parecida com a que os crentes cegos de fé fazem da sua religião, seja ela qual seja. Não fui capaz de ficar alheio ao que se estava a passar à minha volta. No entanto, a grande preocupação que me acompanhou sempre foi e é a de constatar que neste mundo, onde todos os avanços tecnológicos se têm verificado em múltiplos campos, ninguém conseguiu ainda explicar o que é essa coisa do INFINITO!...
E é isso, mais do que nada, que provoca o meu completo cepticismo. Ser fervoroso quer do sim quer do não, tomar lugar seguro num dos dois lados, não acalentar dúvidas, aceitar razões de uma ou de outra posição antagónica, tudo isso é que, desde tempos remotos, tem sido o que a maioria dos homens se agarra, sobretudo por comodidade. Ou por medo. Agora, ficar no meio a contemplar as duas pontas, os lugares opostos, é que é a situação mais desconfortável, posto que o aconchegante é acreditar, sem discutir, que alguma das duas coisas tenha de ser a verdade, o sim ou o não. O talvez é que martiriza.
É esta angústia que me tem perseguido toda a vida, desde que me colocaram ao lado do padre a responder em voz alta às rezas que eram por ele conduzidas e a que muitas vezes esquecia de fazer a minha parte - o que levava o cura a repreender-me em pleno altar, evidentemente paramentado. Mantenho dúvidas até hoje, não tenho qualquer receio em admiti-lo, e será por isso que, se bem que não com muita frequência, mas tem acontecido, quando passo à porta de uma igreja Católica, fora das horas de movimento, e me surge a vontade de gozar do silêncio do seu ambiente, sem rezas e sem praticantes, concentrando-me naquilo que poder ser a resposta que gostaria de obter, pratico esse exercício do pensamento. Mas faço-o numa Igreja católica, como poderia igualmente executá-lo noutro recinto tranquilo, melhor sendo religioso, que recomende a concentração.
O céu, o inferno, o paraíso, todos esses santos que arrastam multidões aos altares e aos santuários assim considerados, com pedidos e promessas de recompensar milagres solicitados e satisfeitos, palavreado fervoroso decorado sem análise do sentido, pois que é fruto da fabricação dos homens que comandam as religiões, os objectos ditos sagrados que não podiam ou ainda não podem ser tocados por mãos impuras, os evangelhos, bíblias, testamentos, antigos e modernos, que só surgiram depois de ter sido inventada a escrita, coisa que há milhares de anos só era praticada através de hieroglíficos, tudo isso me vem à mente e em que, isolado, talvez até muito perto do acabrunhamento, me sento num banco de uma igreja que esteja vazia, na esperança de receber alguma luz que esclareça a enorme vontade de chegar o mais perto possível da VERDADE.
Mas sempre que me acontece fazer este exercício, deparo com a sentença conhecida: há três verdades, a minha, a dos outros… e a verdade, a que não é exclusivo de ninguém e nem coincide, muitas vezes, com as outras duas!
Situando-me, pois, numa terra de ninguém, fico isolado, não tenho parceiros para defender uma ou outra tese, posto que a ausência de linha de rumo, melhor, de ponto fulcral a defender, não tem força bastante para constituir grupo de adeptos dispostos a abraçar uma causa.
Sem bandeira, sem hino, sem marcha de ondas populares não é possível constituir causas que justifiquem o menor esforço para aumentar falanges de adeptos. Grupos, clubes, associações de agnósticos é coisa que não existe. Ninguém se junta apenas para evidenciar dúvidas. Quem as tem, desfolha sozinho as suas mágoas e martiriza-se por viver na ignorância quanto à posição correcta que deve tomar, pois que, no fundo, bem desejaria ter crença nalguma coisa
Sente-se desprotegido por não encontrar força que leve a prestar vassalagem a uma imagem fabricada por um artista, por muito genial que ele seja ou tenha sido.
Um agnóstico é um abandonado. Sobretudo aquele que leva a sério as suas dúvidas. Que procura, a cada momento, encontrar alguém que as desfaça. Mas que tenha argumentos palpáveis para conseguir fazer mudar de opinião. Alguém que não seja, faccioso, fanático, fundamentalista. De qualquer fé.
É nessa ânsia permanente que se vai atravessando a vida. A minha pelo menos. Tentando descortinar o fim dela e sem ter sido capaz de acreditar se que o que vem depois é melhor. Que não seja o termo absoluto de cada um.
Bem desejaria eu que tivesse alinhado com a turba da indiferença. Com o deixa andar do dia-a-dia. Com o que será… será!
Quando deixo aqui escritas as minhas preocupações, as quais não tenho coragem para as descrever aos outros, cara a cara, enquanto estiver vivo, é porque alimento alguma esperança de que, nem sei como, um dia alguém as lerá e, ou se identificará com este tipo de dúvidas ou, bem pelo contrário, na sua crença fervorosa rezará para que sejam perdoados os meus pecados de descrença.
Num ou noutro caso, tanto faz. Nessa altura ninguém terá chegado provavelmente ainda a uma conclusão. O mistério foi criado para perdurar. Enquanto o mundo for mundo. Enquanto o Homem for o que é. E, se mudar, levará muito tempo até que isso aconteça.

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