quinta-feira, 3 de abril de 2008

DESENCANTO... POR ENQUANTO!



O tema a que me vou referir de seguida não será certamente o mais apetecível para leitura. De uma maneira geral, as pessoas recusam-se a falar de situações que não serão as mais agradáveis, sobretudo se elas se referem a actos de intimidade que se procura resguardar o mais que seja possível.
Neste caso, abordo o acto, na generalidade diário, da limpeza dos intestinos, de dar largas ao que, no baixo-ventre, dá mostras de querer ser libertado. E quando isso acontece com regularidade, é sinal de boa saúde, pelo menos nessa zona do corpo. Do humano e de todos os outros animais.
Parece ser uma situação generalizada que o Homem, quando se encontra sentado na chamada retrete, enquanto se esforça para deixar o intestino tão limpo quanto seja conseguido, aproveita alguns minutos para praticar o exercício do pensamento, do rememorar situações passadas, fazer chegar à cabeça obrigações que estarão ainda por satisfazer e, melhor do que tudo isso, se se está a meio da leitura de um livro que está a despertar interesse em ser conhecido o desfecho, utilizar esse período para satisfazer a curiosidade.
Antigamente, quando o papel higiénico era usado apenas por gente endinheirada e em que as folhas recortadas de jornal, penduradas num prego na parede, faziam o serviço que lhes era exigido, o esmiuçar todo o texto contido nesses recortes constituía um hábito e era, por vezes, surpreendente ler as notícias de datas atrasadas e até anúncios que, lidos a tempo, não seriam de grande interesse, para não falar, se calhava no recorte saído do prego, ver, com tristeza, na secção de necrologia, a morte de alguém conhecido de que não se tinha tomado conhecimento no dia do anúncio.
E então contemplar fotos de personalidades no papel enrugado que se encontrava preparado para executar a tarefa que lhe estava confiada, olhar por exemplo, para a fotografia de Gary Grant ou para uma personalidade daquelas que surgem frequentemente nas páginas da Imprensa, com um ar risonho e feliz, fazer passar tal figura pela porta de saída do que se pretende expelir, dando-lhe depois o caminho inevitável, o da pia, essa era uma das situações que ocorriam ou no cubículo que era habitual em épocas atrasadas ou no espaço mais desafogado de quem já possuía instalações mais apropriadas.
Porque, na verdade, este é o local mais metafísico das habitações. É o que permite ao Homem pensar na maior intimidade que pode encontrar. Sem qualquer companhia. Ali, é ele só. Não tem interferências. Quantos temas, soluções de romances e versos para os seus poemas não terão surgido nesse isolamento de grandes figuras da literatura mundial? A retrete é o local ideal para resolver situações complicadas, económicas, políticas, intelectuais, de convivências, de relacionamentos, numa palavra, de problemas do ser humano.
E, não sendo, por vezes, fácil encontrar uma solução, tardando mais algum tempo a encontrar o fim da meada, ao ponto de passarem os minutos e não ser dado sinal de vida a quem se encontra no exterior do compartimento, haverá até que bater à porta e despertar o seu ocupante com um grito de ”tudo bem?”.
Afinal, no total de uma vida, são muitas as horas que um ser humano passa sentado naquele cone de buraco ao meio. A retrete é o local mais democrático do mundo. Não distingue raças, classes, cores, religiões, altezas ou plebeus. E bem se pode fazer um exercício de imaginação “vendo” a personagem mais importante do mundo a espremer-se para aquele buraco mal cheiroso.
Calças abaixo, saias acima, é a ordem geral que é dada silenciosamente a quem se dispõe a servir-se do utensílio. Não vale a pena fingirmos que é só com os outros…
Não resisto à tentação de reproduzir uns versos que encontrei, uma vez, gatafunhados na parede de uma retrete pública. Achei-lhes graça.
Neste lugar solitário
Onde a vaidade se apaga
Todo o fraco faz força
Todo o valente se caga!...

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