quinta-feira, 4 de setembro de 2008

DESENCANTO...POR ENQUANTO!


Na minha adolescência, houve um período em que me dediquei, nas horas vagas, à prática do jogo do bilhar francês. Sempre que podia, dava uma corrida ao Rossio, onde, num primeiro andar por cima do café Nicola e com entrada pela rua 1.º de Dezembro, existiam duas salas com alguns vinte bilhares, incluindo dois de tamanho profissional onde, por vezes, via actuar o patrão do local e que tinha sido campeão do mundo em tacada livre (já não me lembro, mas parece-me que era assim que era designado), o grande Alfredo Ferraz.
Nessa época não havia ainda, pelo menos por cá, o que hoje está bem em voga, o “snooker”, que é, como se sabe, um bilhar com muitas bolas e com quatro ou seis buracos com redes aos cantos e mais dois a meio do tabuleiro. Pois, sempre que faltava um professor lá ia um pequeno grupo de rapazes fazer o seu campeonato. Era barato e havia sempre algum que, nesse dia, estava mais disponível para adiantar pouquinhos escudos por uma meia hora.
Vem isto a propósito de uma comparação que é possível fazer hoje com o pessoal do meu tempo, no que se refere à ocupação dos tempos livres da juventude das épocas, no que respeita aos momentos de libertação de afazeres. E há uma grande diferença. Disso tomamos nota, nós, os que ainda estamos cá e existíamos então.
Sou levado a admitir que, cinquenta anos atrás, a rapaziada masculina, que não podia conviver escolarmente com as estudantes do outro sexo, tinha de ocupar os momentos livres com parcerias de entretenimento que envolviam colegas masculinos. A mim calhou-me, já nem sei porquê mas seguramente porque, quando não havia dinheiro, podia sentar-me e ver os outros a pôr em prática a sua mestria em utilizar o taco para fazer rodar três bolas sobre o pano verde.
Hoje em dia, em que os adolescentes são mais desenvoltos do que eram anos atrás, a ocupação dos tempos disponíveis é bem diferente. As solicitações mudaram e o convívio facilitado com as raparigas fez desviar as apetências. E também a disponibilidade que a família consente em relação aos horários, especialmente os nocturnos, contribuiu para que não se possa comparar o hoje com o que ocorria então. Não se sabia o que eram as discotecas e as “boites” da moda só eram acessíveis a gente endinheirada. Em Lisboa, o “Tágide”, o “Nina”, até o “Bico Dourado” não estavam à disposição da juventude. Eram os homens feitos e com capacidade de gastar nos whiskies e com outros prazeres ainda mais caros e com saias, os que se davam ao luxo de frequentar tais espaços de diversão. A rapaziada, já com alguma, mesmo pouca, barba na cara, quando muito entretinha-se nas salas de festas que, aos domingos, pelas tardes, organizavam os seus bailes frequentados por meninas acompanhadas da família.
Que diferença! No meu caso, que será um exemplo como tantos outros, aos domingos, quando tinha sorte e as condições o permitiam, com vinte e cinco tostões, como então se chamava, ou me ficava por uma matinée no cinema do Arco Bandeira ou ia até ao Parque Mayer e conseguia dar uma volta nos automóveis dos encontrões, uns que ainda agora se topam nas feiras de província.
Com tantas limitações era-se menos feliz nessa época, do que são hoje os jovens, com tantas ofertas de distracção e tamanhas possibilidades de variarem os locais de convívio? Antes, em que as possibilidades de ir variando as ofertas de vestuário, ao sabor das modas mesmo as mais extravagantes, não existiam praticamente, viviam as raparigas e os rapazes numa angústia atroz? A resposta, podemos nós dá-la, os que testemunhámos as duas situações: e é não!
Sem se conhecerem alternativas, não é possível ansiar-se pelo nunca visto. Alguém tinha falta da televisão, esse aparelho absorvedor dos tempos livres e das conversas em família, se a mesma não existia? E conforme isso, assim ocorre com múltiplas modernices, os computadores, os ares condicionados, os aviões a jacto, os decotes até ao umbigo, tudo que, poucas décadas passadas, não se imaginava que viessem a ser lugares comuns na vida dos seres humanos.
Mas, se se trata de saber se a malta dos dias de hoje é mais feliz do que os que viveram no tempo dos bota de elástico, embora seja praticamente impossível aplicar qualquer “felicitómetro” para medir as duas situações, arrisco-me a afirmar que não me custa jogar um pleno na situação existente nos outros tempos.
Será saudosismo, dirão. Pois que seja, mas, embora não desejasse, agora que sei o que sei, que vivi o que vivi, que experimentei o que me foi proporcionado no decorrer de uma existência anterior, regressar ao tempo dos candeeiros de petróleo, das idas para a cama com as galinhas, de levar os livros para a escola numa sacola de serapilheira e não tendo tido oportunidade de conviver com as evoluções que foram aparecendo, terão de me convencer bem convencido de que não vivi a juventude em plena felicidade com o que me rodeava.
Medir felicidades com o que se passa na mesma época, entre mentalidades que podem, até certo ponto, equiparar-se, isso ainda poderá ser possível, mas estabelecer comparações entre época diferentes, cada uma com meios que não se assemelham sequer, isso será um exercício bem difícil de pôr em prática. E não foram precisas muitas décadas de intervalo. Bastou um escasso meio século para estabel3cer uma barreira de diferenças que dificulta qualquer comparação.
Eu, que vivi duas épocas, não me sinto capaz de encontrar a resposta. Isto é, se se respirava mais felicidade antes ou agora, com todos os modernismos surgidos com uma velocidade estonteante e em que ao seres humanos beneficiam de inventos que estavam longe de ser imaginados.

Sem comentários: