quinta-feira, 19 de junho de 2008

VIVA O FUTEBOL!


De facto, isto de escrever de rajada, sem tempo quase para dominar o gatilho, tem os inconvenientes idênticos aos do crime cometido sem uma reflexão antecipada. Mas, depois do acto cometido, já não há nada a fazer, caso o papel se encontre ainda na nossa posse por não ter ido parar, entretanto, ao caixote do lixo.
Na verdade, quando me insurgi, noutro texto que já foi devorado pela Internet, a um certo tipo de indignação pelo facto desta gente cá do burgo se encontrar dominada pelos acontecimentos relacionados com o futebol e, particularmente nesta ocasião, ao campeonato da Europa que ocorre por aí, quando não tive capacidade para colocar os pés na terra e observar friamente o que se passa à minha volta, o que fiz foi somente isolar-me da multidão, da maioria das pessoas que, por serem muitas, mais do que eu só, têm democraticamente razão.
Mas hoje assentei. Resolvi instalar-me numa esplanada do meu bairro lisboeta e fazer o consumo habitual, por sinal em custo crescendo: uma bica cheia e um copo de água. E, a partir daí, pus-me a ver as pessoas a passar e a ouvir as conversas, em voz alta, que saltavam das mesas em redor da minha.
E que presenciei então? A maioria dos homens com jornais desportivos debaixo do braço e, noutros casos, eles e elas muito interessados em observar as fotografias das mulheres dos jogadores de futebol que estão na moda, a maioria em trajes sem preocupação de esconder as belas partes carnudas, com títulos de intimidades, como sejam se ainda convivem ou se já desfizeram os casamentos, e até uma dessas intervenientes a indicar que foi no México que “fabricou” o rebento que mantinha no colo. Só faltou indicar a cor dos lençóis do local “histórico”do acontecimento!...
Perante estas realidades, meto a mão na consciência de português que sou e não consigo encontrar outra resposta à pergunta que tantos por cá talvez façam: se andamos rodeados de tantos problemas, se aqui, em Portugal, a vida que nos é deixada levar se apresenta cada vez mais difícil, se os recursos que nos são postos à disposição são cada vez mais curtos, se as reformas, o desemprego, as empresas em decadência, tudo, não esquecendo os combustíveis (esses, então!...), tudo faz parte de uma lista infinda de preocupações que os portugueses não podem deixar de enfrentar, repito, a pergunta a fazer é se nós, os que já não temos idade para emigrar – que foi uma das opções por que antigamente se enveredava – somos forçados a ficar e a instigar dolorosamente, os novos a “salvarem-se enquanto puderem”, não temos já outra alternativa que não seja aceitar a segunda desgraça da nossa vida, já que a anterior, essa chegámos a pensar em 1974 que fazia parte de uma história a contar aos vindouros, aos que hoje até são homens.
Será então por isso que, passada que foi a primeira reacção contra o entusiasmo do futebolismo patriótico, neste momento já compreendo e aceito o enxame dos cachecóis, das bandeiras, das janelas engalanadas, das conversas todas elas recheadas do mesmo tema: o futebol.
Dou a mão à palmatória. E recordo-me dos meus velhos tempos da instrução primária, cada vez que se dava um erro no ditado de português. Aprendia-se assim.
Eu também aprendo alguma coisa, passados tantos anos sobre a época da minha querida professora que tão bem me preparou para os muitos exames que tive de enfrentar pela vida fora.
Acabo por dar razão aos que se refugiam nos possíveis sucessos que o futebol pode oferecer ao nosso nacionalismo tão debilitado. Isso para fazer esquecer a vida sem grande esperança que o mundo atravessa, que a Europa agora encara e que Portugal – que é isso agora que nos interessa – tem dificuldade em assimilar.
Neste momento em que escrevo ainda não é conhecido o resultado do encontro ao fim da tarde. E foi de propósito que entendi escrever este texto na ignorância total do que vai acontecer.
É que não quis influenciar a prosa quer com entusiasmos desmedidos quer com tristezas descabidas. Nem uns nem outras solucionariam os problemas que estamos condenados a enfrentar. Viva, por isso, o futebol português!... Esse analgésico!

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