quarta-feira, 2 de abril de 2008

Uma vida difícil (11)

Mas arrastando-me penosamente também pelos estudos, faltando bastante às aulas, não resisti ao convite que me fez o Roberto Nobre, grande amigo do já muito conceituado escritor Ferreira de Castro, para fazer parte de uma tertúlia literária, todas as quintas-feiras à noite (quando conseguia fugir aos outros compromissos), na leitaria Bijou, que existia então na avenida da Liberdade. E era um autêntico deslumbramento participar em tais reuniões, em que todos os intervenientes eram, naturalmente, gente da oposição ao regime. Por isso, frequentemente, surgiam na leitaria indivíduos que se sabia pertencerem à PIDE e que faziam esforços para escutar as conversas que mantínhamos.
Também conheci nessa época um jovem escultor italiano, Aldo Favilli, que veio a Portugal para contactar com o meio artístico para preparar uma tese. Pu-lo em contacto com o Roberto Nobre e com outros artistas, incluindo-o também no meu círculo de relacionamentos, e ele, talvez por gratidão pelo apoio que lhe prestei, entendeu fazer a escultura do meu busto, o qual me tem acompanhado ao longo dos anos.
Com tudo isto, decorreram cerca de três anos e em que só o Eduardo Nery me conseguia segurar, dado que eu evidenciava cada vez mais o desejo de me libertar daquele panorama de vir a ficar velho como os outros que me rodeavam, pois todos os colegas daquele departamento da direcção eram pessoas com idades à volta dos 70 anos (ainda não vigorava a lei da reforma aos 65 anos!).
Até que um dia, repentinamente, apresentei a minha demissão, apesar dos apelos do meu amigo Nery, que me procurou convencer do contrário. E nunca ninguém da minha família, sobretudo a minha Mãe, entendeu os motivos que levaram àquela decisão de perder um emprego de “tão grande futuro”, sobretudo sem apresentar alternativa imediata.
De facto, saí sem saber exactamente o que iria fazer. Queria dedicar-me à vida literária e ao jornalismo, tanto mais que já tinha tomado a decisão de desistir, no final do meu 2.º ano, de concluir Económicas. E como era solteiro, podia arriscar, muito embora necessitasse de continuar a ajudar em casa.
(continua)

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