terça-feira, 1 de abril de 2008

Uma vida difícil (10)

(continuação)
A aceitação pública da Mercúrio foi reconhecida logo a partir do primeiro número, ao ponto de se terem esgotado as oito edições saídas, com uma tiragem de 5.000 exemplares cada mês. Só que, para distribuir pelas livrarias e tabacarias, era preciso recorrer a uma organização que dispusesse desses serviços. Foi por isso que se fez um contrato com Publicações Europa-América que já possuía uma rede aceitável. Com o que não se contava era com as dificuldades financeiras que a empresa do Francisco Lyon de Castro, depois editor tão próspero, enfrentava, ao ponto de não conseguir solver a dívida que contraiu comigo, tendo, por isso, colocado a Mercúrio – Agência Jornalística e Editorial, Lda em sérias dificuldades, ao ponto de não ter conseguido liquidar as facturas da tipografia..
Perante estas circunstâncias, acrescidas da enorme canseira que me provocava o ter de atender a várias frentes, o emprego, os estudos e o escritório criado, optei por vender a minha posição, ainda que a preço de saldo. Segundo soube, os meus sucessores não foram capazes de dar seguimento às iniciativas criadas.
Entretanto, na Singer e um pouco para compensar a falta do ambiente de que dispunha na Bertrand, passei a dar-me com três personalidades, todas elas velhos funcionárias da Companhia, que se revelaram de grande categoria intelectual. E eram, como sempre acontecia comigo, pessoas muito mais velhas do que eu. Trataram-se do pintor, cineasta e escritor Roberto Nobre, irmão do músico João Nobre, que tinha a seu cargo a publicidade da Singer, José Villaret, irmão do actor João, e também com grande sensibilidade artística, e Assis Esperança, escritor com vasta obra publicada e infelizmente tão pouco conhecido hoje entre nós.
Todos homens com mais de 60 anos, logo nos identificámos com a ausência, no local de trabalho, do mínimo de ambiente cultural e foi até ao aviso que me fizeram de que também tinham entrado na Companhia com idade semelhante à minha e com intenção de não permanecer muito tempo e que, afinal, já lá estavam há cerca de 30 anos, foi devido a esse alerta que me tornei ainda mais angustiado, por ver neles o meu futuro. Isso num jovem de 24 anos.
(continua)

Sem comentários: