segunda-feira, 8 de março de 2010

STANLEY HO


CONHECI-O HÁ ANOS, pois foi através de uma entrevista que, por casualidade, lhe fiz uma vez há anos, quando se encontrava em Portugal, a passar uns dias em Cascais, e em que me recebeu em sua casa, surgindo a abrir a porta em calções e com uns chinelos, ele, um dos homens mais ricos do mundo, de nome Stanley Ho.
Na altura, o Casino Estoril não fazia ainda parte da enorme lista de activos do magnata, pois encontrava-se nas mãos dos descendentes de Teodoro dos Santos, esse sim que tinha sido do meu relacionamento sendo eu ainda muito rapazinho, e em que ele era ainda um empregado de uma tabacaria na rua da Madalena. Muito mais tarde, na altura da entrevista, o magnata era apenas conhecido pelo “chinês”, pois muito poucos sabiam o seu verdadeiro nome, dado que, de sua propriedade, era pouco mais do que o Hospital Particular, aliás adquirido por razões um pouco ligadas ao acidente que motivou a morte do toureiro Manuel dos Santos, mas isso é outro assunto que não cabe aqui neste texto.
Pois, a referida entrevista que fiz e publiquei no meu jornal, “o País”, foi mesmo a calhar ao homem que se queixou amargamente de que estava, na altura, a ser perseguido – versão dele próprio - pelo então Governador-Geral de Macau (ali colocado pelo Movimento dos Capitães de Abril) que ele relatou lhe estar a proibir imensos projectos de desenvolvimento no território, então ainda sob administração portuguesa, e que sentia a ameaça de que a exploração do jogo naquela província ultramarina (como se dizia na época) não lhe iria ser renovada. E foi graças a esse queixa publicada e às seguintes provas desse estado de espírito que ele próprio me ficou a remeter com regularidade, elementos a que fui dando mostra pública pelo interesse que representavam, pois todas elas eram acompanhadas de elementos que não deixavam dúvidas jornalísticas da sua veracidade, foi por via disso que, um belo dia, recebi pessoalmente uma chamada telefónica do Presidente da República, general Ramalho Eanes, perguntando-me se eu estava seguro das notas que estavam a ser publicadas e, nessas circunstâncias, se eu me disporia a receber uma pessoa (o futuro Governador) para lhe mostrar todas as provas que tinha recebido de Stanley Ho.
Entretanto, dentro da isenção que sempre demonstrei ao desempenhar as funções de director de um jornal nacional que fez questão, durante toda a sua existência, de manter uma absoluta independência, não se sujeitando a qualquer pressão como, segundo parece, nesta altura tanto se verifica por cá, não recebi qualquer compensação por ter sido tomada a posição de dar voz pública ao que estava claro que se tratava apenas de uma perseguição de características com aparência política, ao que, na época, tinha foros de malvadez, e que era muito simplesmente um ataque frontal ao capitalismo, como eram consideradas então certas movimentações de empresários que procuravam expandir as suas actuações (e, com isso, criar emprego, o que hoje não acontece!).
Foi através desta actuação jornalística que eu fiquei a conhecer o indigitado seguinte Governador de Macau, que, ao ter tomado posse desse lugar pouco tempo depois, desde logo alterou o estado de confronto que existia antes em relação ao empresário queixoso. E tudo se modificou a partir dessa altura, ao ponto de ter Stanley Ho, como me havia prometido pessoalmente, expandir a sua actividade para Portugal Continental, o que sucedeu, sobretudo, com a posse que passou a ter do Casino Estoril e que, depois, se alargou para outras áreas.
Na verdade, a única atenção que recebi do grande empresário foi o de uma visita a Macau, através da única via então existente, a de Hong Kong, onde me ofereceu em sua casa um almoço e me fez a tal declaração de que, a partir desse altura, estava disposto a investir largamente em Portugal. O que sucedeu.
Nunca mais voltei a ter contacto com o “chinês”. As várias vezes que visitou o nosso País não proporcionaram que nos tivéssemos encontrado, o que bem demonstra que, por verdadeira influência circunstancial que tivesse tido a minha intervenção na mudança de atitude do magnata, não permaneceu qualquer rastro de ligação. E é assim que deve ser, pois o jornalismo não tem de servir de ponte de interesses entre dois profissionais, um do jornalismo e outro das aplicações do dinheiro.
Sei agora que, com os seus quase noventa anos, se encontra bastante doente num hospital de Hong Kong. Ainda lhe conheci uma das mulheres que, segundo parece terá falecido. Tem outra, nesta altura, e 17 filhos. Que, devido à crise, a sua fortuna está agora avaliada “apenas” em mi milhões de dólares norte-americanos.
E é assim que se faz a História. São, como sempre defendo em tese, as circunstâncias da vida que proporcionam mudanças na labuta de cada um de nós. Afinal, muito rico ou completamente longe disso, todos acabamos da mesma maneira. Não há como dar a volta.

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